Outro dia um amigo meu, cansado de tanto sedentarismo, resolveu comprar um livro chamado Walkscapes – o caminhar como prática estética, do Francesco Careri. Comprou pela Internet porque ir caminhando até a livraria, nem pensar.
BICHO-PREGUIÇA
ALBERTO VILLAS:
A primeira vez que vi um bicho-preguiça
foi na Floresta Amazônica. Ele estava no colo de uma indiazinha, meio abraçado
a sua barriga nua, sem arranhar. Ele tinha mesmo um ar preguiçoso, de quem não
está nem aÍ. Com um olho meio aberto, o outro meio fechado, me encarou assim
meio blasé.
Por Alberto Villas,
para Carta Capital
Gosto do bicho-preguiça. De tempos em
tempos, a gente tem notícia de que um apareceu numa árvore e que foi preciso um
batalhão do Corpo de Bombeiros pra tirá-lo lá de cima. Acho engraçado o
bicho-preguiça ter esse nome. Na França ele chama preguiçoso.
Com
razão. O bicho tem um ar de quem não quer nada com a dureza. Quer sombra, água
fresca e brotos de planta. Fiquei sabendo outro dia que ele costuma dormir 14
horas por dia, e é assim que ele vai levando a vida, deixando a vida levar,
devagar, devagarinho.
Sei lá, fiquei pensando como nestes
dias a gente também anda preguiçoso. Não que durmamos 14 horas por dia ou que
vivamos de sombra, água fresca e brotos de plantas. Pelo contrário, o homem dá
um duro danado e tem trabalhado cada vez mais. Mas, para outras coisas, ficamos
tipo bicho-preguiça. Quer ver só?
Se você entra numa concessionária pra
comprar um carro e o vendedor diz que aquele modelo não tem vidro elétrico,
nada feito. Como viver virando e desvirando aquela manivela pra abrir ou fechar
os vidros do carro?
E o controle remoto? Nem existe mais
televisão sem controle remoto. Se fabricarem, não vendem uma sequer. Só de
pensar que tem de levantar cada vez pra mudar de canal ou aumentar o som, a
gente desiste da compra.
Já percebeu, num shopping, quantas
pessoas sobem pela escada? Uma em cada mil. Novecentos e noventa e nove vão
pela escada rolante e se ela estiver parada, preferem sair andando à procura de
uma que esteja funcionando a subir degrau por degrau.
Dá uma olhada só no aeroporto ou na
rodoviária, quantas pessoas estão carregando uma mala, daquelas malas pesadas
que todo mundo carregava. Ninguém! Está todo mundo empurrando sua mala de
rodinhas. Antes eram duas, agora são quatro pra cada mala.
E assim vamos ficando preguiçosos. É o
manobrista que estaciona o seu carro. É o garoto que coloca suas compras
de supermercado na sacola, é o lava-jato que lava o seu automóvel, é o porteiro
que abre o portão do seu prédio para você entrar, é o ELEVADOR que te leva pro
primeiro andar.
Ninguém mais faz força engraxando
sapatos, passando escovão no chão ou fazendo força pra estacionar o carro
porque o volante tem de ser hidráulico.
Tenho amigas que só compram abacaxi
descascado no supermercado. Pra que fazer força pra descascar um abacaxi? E não
é só o abacaxi. Compram também o melão em pedaços, a melancia cortada e a
mexerica em gomos.
Uma outra amiga só compra bolo pronto, desses Pullman, só pra não ficar lá fazendo força, transformando a clara em neve.
FIM
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