Get me outta here!

sábado, 7 de março de 2015

VERÍSSIMO, LUIS FERNANDO - O ATOR

O ATOR
Veríssimo, Luis Fernando.
Comédias da vida privada: crônicas escolhidas.
 19. Ed.
 Porto Alegre: L&PM,
 1996. P. 194-95.
Serviço secreto não descobre nome verdadeiro de Charles Chaplin ...
O Homem chega em casa, abre a porta e é recebido pela mulher e os filhos, alegremente. Distribui beijos entre todos, pergunta o que há para jantar e dirige-se para o seu quarto. Vai tomar banho, trocar de roupa e preparar-se para algumas horas de sossego na frente da televisão antes de dormir.
Quando está abrindo a porta do seu quarto ouve uma voz que grita:
- Corta!
O homem olha em volta, atônito. Descobre que sua casa não é sua casa, é um cenário. Vem alguém e tira o jornal e a pasta das suas mãos. Uma mulher vem ver se a sua maquiagem está bem e põe um pouco de pó em seu nariz. Aproxima-se um homem com um script na mão dizendo que ele errou uma das falas na hora de beijar as crianças.
- O que é isso? – pergunta o homem. – Quem são vocês? O que estão fazendo dentro da minha casa? Que luzes são essas?
- O quê, enlouqueceu? – pergunta o diretor.
– Vamos ter que repetir a cena. Eu sei que você está cansado, mas...
Estou cansado, sim senhor. Quero tomar meu banho e botar meu pijama. Saiam da minha casa. Não sei quem são vocês, mas saiam todos! Saiam!
O diretor fica de boca aberta. Toda a equipe fica em silêncio, olhando para o ator. Finalmente o diretor levanta a mão e diz:
- Tudo bem, pessoal. Deve ser estafa. Vamos parar um pouquinho e ...
- Estafa coisa nenhuma! Estou na minha casa, com a minha... A minha família! O que vocês fizeram com ela? Minha mulher! Os meus filhos! O homem sai correndo entre os fios e os refletores, à procura da família.
Charlie Chaplin - Wikipedia
O diretor e um assistente tentam segurá-lo. E, então, ouve-se uma voz que grita:
- Corta! Aproxima-se outro homem com um script na mão. O homem descobre que o cenário, na verdade, é um cenário.
O homem com um script na mão diz:
- Está bom, mas acho que você precisa ser mais convincente.
- Quê!? - quem é você?
- Como, quem sou eu? Eu sou o diretor. Vamos refazer esta cena. Você tem que transmitir melhor o desespero do personagem. Ele chega em casa e descobre que sua casa não é uma casa, é um cenário. Descobre que está no meio de um filme. Não entende nada.
- Não entendo... - Fica desconcertado. Não sabe se enlouqueceu ou não.
- Eu devo estar louco. Isto não pode estar acontecendo. Onde está minha mulher? Os meus filhos? A minha casa?
- Assim está melhor. Mas espere até começarmos a rodar. Volte para sua marca. Atenção, lues...
- Mas que marca? Eu não sou personagem nenhum. Eu sou eu! Ninguém me dirige. Eu estou na minha própria casa, dizendo as minhas próprias falas...
- Boa, boa. Você está fugindo um pouco do script, mas está bom.
- Que script? Não tem script nenhum. Eu digo o que quiser. Isto não é filme. E mais, se é um filme, é uma porcaria de filme. Isto é simbolismo ultrapassado. Essa de que o mundo é um palco, que tudo foi predeterminado, que não somos mais do que atores... Porcaria!
- Boa, boa. Está convincente. Mas espere começar a filmar. Atenção...
O homem agarra o diretor pela frente da camisa.
- Você não vai filmar nada! Está ouvindo? Nada! Saia da minha casa.
O diretor tenta livrar-se. Os dois rolam pelo chão. Nisto ouve-se uma voz que grita:
- Corta! 
Adesivo Decorativo de Parede Frase Pensamos Charles Chaplin no ...

0 comentários:

Postar um comentário