A bola
- VERÍSSIMO, LUIS FERNANDO.
- A BOLA.
- COMÉDIAS DA VIDA PRIVADA;
- .PORTO ALEGRE: L&PM,
- 1996. P. 96-7
O
pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao ganhar
a sua primeira bola do pai. Uma número 5 sem tento oficial de couro. Agora não
era mais de couro, era de plástico. Mas era uma bola.
O
garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse “ legal! “. Ou os que os garotos
dizem hoje em dia quando gostam do presente ou não querem magoar o velho.
Depois começou a girar a bola, à procura de alguma coisa.
-
Como é que me liga?- Perguntou.
-
Como, como é que liga? Não se liga.
O
garoto procurou dentro do papel de embrulho.
-
Não tem nenhuma instrução?
O
pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros. Que os tempos
decididamente outros.
-
Não precisa manual de instrução.
-
O que é que ela faz?
-
Ela não faz nada. Você é que faz coisas com ela.
-
O que?
-
Controla, chuta...
-
Ah, então é uma bola?
-
Claro que é uma bola.
-
Uma bola, bola. Uma bola mesmo.
-
Você pensou que fosse o quê?
-
Nada, não.
O
garotinho agradeceu, disse “ Legal! “, de novo, e dali a pouco o pai o
encontrou na frente da tevê, com a bola nova do lado, manejando os controles de
um videogame. Algo chamado MONSTER BALL, em que times de monstrinhos disputavam
a posse de uma bola em forma de blip eletrônico na tela ao mesmo tempo que
tentava se destruir mutuamente. O garoto era bom no jogo. Tinha coordenação e
raciocínio rápido. Estava ganhando da máquina.
O
pai pegou a bola nova ensaiou algumas embaixadinhas. Conseguiu equilibrar a
bola no peito do pé, como antigamente, e chamou o garoto.
-
Filho, olha.
O
garoto disse “ legal “, mas não desviou os olhos da tela. O pai segurou a bola
com as mãos e a cheirou, tentando recuperar mentalmente o cheiro do couro. A
bola cheirava a nada. Talvez um manual de instrução fosse uma boia ideia,
pensou. Mas em inglês, para a garotada se interessar.
ffim
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