PERIPÉCIAS DE UMA NEÓFITA
BRASILEIRA NA NORUEGA
SOLEDAD MACKINNON
"Ontem eu
tinha consulta. Tava chovendo e Øystein falou que podia sair do trabalho pra me
dar carona até lá, mas que precisava das horas no trabalho. Então, decidi ir
andando. Pensei "Eu tenho que aprender. Eu posso!".
Botei calça de lã
por baixo da calça jeans. Blusinha básica de lã por baixo do suéter de lã, meu
casaco de inverno por cima, meia de lã, bota de chuva, echarpe, luvas,
sombrinha, fone de ouvido e fui. No caminho percebi que era melhor fechar a
bolsa. Nunca fecho, mas tava chovendo e imaginei que podia molhar tudo dentro.
Não foi fácil com a luva nas mãos, echarpe na frente, e uma mão no guarda
chuva, mas consegui.
A gente tem mania
de não fechar casaco aí, né? Não precisa. Mantive essa mania aqui. Até ontem..
Sempre saio de
carro, então nunca preciso de fato mudar os meus (maus) hábitos.
Ontem, no meio do
caminho notei que a chuva estava ficando mais forte e que estava ventando
muito. Tentei cobrir os ouvidos com o capuz do casaco, porque o vento é tão
frio que dá dor nos ouvidos e na cabeça. Uma mão no guarda chuva e com a outra
consegui me contorcer e puxar o capuz pra cima da cabeça. O vento tava tão
forte que soprou o capuz pra trás de novo. Pensei: "Tá vendo!? Nestsas
horas você entende porque tem que aprender a usar um gorro!". Mas já era
tarde pra voltar. Continuei tentando pegar o capuz e tapar a cabeça, mas o
vento estava ficando mais forte. Começou a bagunçar o meu cabelo na frente da
minha cara, tentei consertar, mas o vento começou a tentar tirar o guarda chuva
da minha mão. Ou segurava o guarda chuva, ou ajeitava o cabelo. Desisti do
capuz. E entendi porque esse povo não se arruma e não se importa com a
aparência. Porque não tem jeito mesmo. Meu cabelo tava tapando a minha visão.
Mesmo com o guarda chuva a franja tava toda molhada e grudada na testa. Meu
jeans tava ensopado porque eu tava contra o vento. Meu casaco tava aberto e o
vento gelado soprando dentro dele e a chuva molhando meu suéter e eu tava
congelando por inteira. Quis fechar o casaco. Mas como, se tinha as duas mãos
no guarda chuva?! Uma segurando a haste, a outra segurando a ponta pra não
dobrar porque o vento insistia em dobrar o guarda chuva pra cima. A echarpe
agora tava praticamente me dando tapas na cara e eu precisei agarrá-la pra não
sair voando. Não sei de onde surgiu a minha terceira mão, que segurou a
echarpe. Quanto mais eu andava, mais me aproximava da Marina e consequentemente
o vento ficava ainda mais poderoso. Começou a me jogar pra trás. A essa altura
eu já não ouvia música porque já tinha desistido de tentar segurar o fone no
ouvido. Tinha uma echarpe pra segurar e um guarda chuva que não só não parava
na minha cabeça, mas ameaçava quebrar ou ser arrancado pelo vento a qualquer
momento. Deixei o fone pendendo, assim como o cabelo na cara e a echarpe voando
incontrolável. Desisti de consertar tudo. Naquele caos, não tinha como me
importar com uma só coisa. O vento inverteu o guarda chuva, comecei a chorar e
a gritar com o maldito guarda chuva e a berrar pros Céus que eu não nasci pra
isso!
Ensopada,
desnorteada, guarda chuva mais forte que um cachorro bravo me puxando na
direção que bem entendesse. Não via os carros à minha frente. Não conseguia ver
mais nada. Quis ligar pro Øystein, pedir pra vir me buscar mas o telefone tava no
bolso do casaco. Como pegá-lo, sem mãos? Chorei de desespero. Mas de alguma
forma consegui liberar uma das mãos, puxei a cordinha do telefone e tentei
tirá-lo do meu bolso. Tava agarrado ao tecido do casaco que tava molhado. Já
tava em pânico e comecei a brigar com o casaco também, mandando ele soltar
aquela M.....!
Liguei pro Øystein,
chorando. Vem me buscar agora! Nesse momento o vento de novo jogou a echarpe
pra um lado, o cabelo pro outro e inverteu o guarda chuva. Não sabia o que
segurar! Chorei mais. Não sabia se seguia em frente, se voltava, se parava e
esperava por ele... No meio daquela chuva e ventania, sem lugar pra parar, me
cobrir ou esconder, todas as opções pareciam ruins. Eu queria me sentar no meio
da rua e chorar. Queria jogar o guarda chuva no chão e pular repetidamente com
os dois pés em cima dele, como nos desenhos animados. Mas tava muito frio.
Continuei.
Me senti uma idiota
pra quem estivesse passando e testemunhasse a cena de uma latina que obviamente
não cresceu com tempestades.
Enquanto andava sem
saber quanto tempo mais teria que aguentar aquela tormenta, meu cadarço
desamarrou. Gritei com a minha bota também. Infeliz! Como se eu tivesse
condições de me agachar naquela ventania e amarrar o cadarço sem mãos
disponíveis!
...
Uns minutos depois,
descrente, frustrada, mais molhada e um pouco mais à frente, Øystein parou o
carro do meu lado. Todo compreensivo, apesar da minha falta de controle pela
frustração. Joguei tudo no chão do carro e chorei. Ele me abraçou e quando
sentiu minha roupa toda ensopada falou esquece a consulta você tá encharcada,
vamos pra casa.
...
No fim das contas,
descobri que o meu guarda chuva não serve pra NADA neste país. Que casaco,
aqui, foi feito pra andar fechado, e não aberto, estilizado, revelando a roupa
fashion por baixo e a echarpe cara, como nas revistas de moda. Que echarpe é um
enfeite inútil neste tempo. Que luvas lindas não são práticas. E que mesmo que
estivesse de gorro (de lã) ele não ia servir de nada na chuva.
Não é fácil
entender o que usar e quando usar aqui. Achei que estava aprendendo bem. Até
ontem..
A moda de
"inverno" foi feita pra outros países. Aqui o estilo é pescador,
pinguim, e sem frufruzada. Aqui o que a frufruzada tem de bonita, tem de
impraticável e perigosa.
Pra sair de casa e
ficar toda molhada e com frio assim, é melhor - como disse a Tharyn - sair de
biquíni da próxima vez!"