O GALINHO DE OURO
PÚCHKIN
O REI DADON era um tzar valente e famoso pelas muitas
campanhas e batalhas ganhas de inimigos e vizinhos agressivos. Mas, quando começou
a envelhecer, o tzar Dadon, fatigado, resolveu descansar das lutas e das lides,
e se entregar a uma vida tranquila e sossegada. Porém, os inimigos, percebendo
isso, começaram a perturbá-lo, atacando o seu reino por um lado e por outro, e
causando-lhe muitos prejuízos. Não adiantava o tzar Dadon manter um forte
exército no Sul: os inimigos o atacavam de surpresa pelo Norte; e se ele
mandava o seu exército para o Norte, eles atacavam pelo Sul, e assim no Leste e
no Oeste. Até que o tzar não suportando mais essa situação, mandou chamar um
famoso sábio, um velho astrólogo e adivinho, para lhe pedir conselhos,
O mago chegou, apresentou-se, ouviu a
queixa do tzar, e sem demora tirou da sua sacola um galinho de ouro, e disse:
- Majestade, manda colocar esta ave na
ponta da agulha da mais alta torre do teu castelo, na tua cidade--capital. Este
galinho de ouro será o teu fiel guarda e sentinela. Se tudo em volta estiver em
paz, ele ficará quieto no seu posto de observação. Mas se qualquer perigo ou
surpresa desagradável estiver se preparando para ti, bem antes do acontecimento
o galo de ouro acordará, baterá as asas e se voltará para o lado de onde virá a
ameaça, soltando um sonoro cocoricó, e tu poderás te preparar para qualquer emergência.
O tzar agradeceu ao mago e disse, ao
despedir-se dele:
- Por este grande serviço, eu prometo
cumprir o teu primeiro desejo qualquer que seja ele, ó sábio mago.
- Quando chegar esse dia, tu saberás o meu
desejo, ó tzar! – disse o mago, e foi-se embora.
E daquele dia em diante o galinho de ouro
ficou bem quieto no seu posto de observação, no alto da torre.
Um ano transcorreu em paz, depois outro, e
mais outro. Mas um belo dia o tzar Dadon, que descansava refestelado no seu
leito real, foi despertado pelo sonoro cocoricó do galinho de ouro, que batia
as asas e se virava para o lado do Oriente. O tzar imediatamente mandou o seu
filho mais velho para aquele lado, à frente de um forte exército. E o galinho
de ouro aquietou- -se e se calou.
Mas passados oito dias, o filho do tzar não
voltava, e nem mandava notícias. E de repente o galinho de ouro agitou-se e
cocoricou de novo, anunciando perigo iminente, do mesmo lado.
O tzar Dandon, alarmado, enviou o seu
segundo filho, à frente de outro exército, para o Oriente, a fim de resgatar o
irmão mais velho. E o galinho de ouro sossegou de novo.
Mas novamente transcorreram oito dias sem
notícias, até o galinho de ouro lançar de novo o seu cocoricó de alarme. Muito
preocupado o tzar Dandon resolveu partir ele próprio em busca dos filhos, à
frente do seu terceiro exército.
Depois de uma marcha forçada de oito dias
por montes e vales sem encontrar sinal nem vestígio de ninguém, o tzar Dandon,
com o seu exército, chegou a um vasto descampado, no centro do qual se erguia
uma grande e rica tenda de seda. E em volta da tenda - Ó triste visão! – jaziam mortos
os bravos guerreiros dos dois primeiros exércitos!
Desolado, o tzar Dandon saltou do seu
cavalo e caminhou rapidamente para a tenda... e da sua garganta escapou um
gemido de dor e horror: diante dos seus olhos, na frente da tenda, lá estavam
os seus dois filhos mortos – com as suas espadas cravadas no peito um do outro.
Mortos em duelo! E o infeliz rei prorrompeu em pranto, acompanhado por todos os
seus guerreiros.
Mas nisso, de repente, a tenda se abriu e
de dentro dela surgiu uma donzela belíssima, uma princesa do Oriente, formosa
como a aurora. Sem uma palavra, ela olhou para o tzar Dadon e, com um sorriso
radioso, tomou-o pela mão e o levou para dentro da tenda. E no mesmo instante,
enfeitiçado pela sua beleza, o deslumbrado tzar Dandon esqueceu as mágoas e os
filhos, e passou uma semana inteira na tenda da princesa, em festivo e
delicioso repouso e bem-estar.
Finalmente, ao fim de oito dias, o tzar
Dadon empreendeu o caminho de volta à sua capital, com o seu exército, levando
consigo a esplendorosa beldade oriental, com a qual ia se casar, tornando-a
rainha.
O povo recebeu o seu rei com grande festa,
aplausos e aclamações saudando o tzar e sua futura e formosa tzarina. E no meio
da multidão festiva, quem é que o aguardava? Ninguém mais do que o velho e sábio
mago que lhe dera o galinho de ouro.
O tzar cumprimentou-o alegremente e disse:
- Aproxima-te, ó sábio ancião. Sou-te
infinitamente grato pela alegria e felicidade que te devo.
- Salve, Majestade! Disse o mago. – Ainda te
lembras do nosso trato? Prometeste, pelos meus serviços, satisfazer o meu
primeiro desejo, qualquer que fosse ele. E eu disse que, quando chegasse o dia,
tu saberias qual é o meu desejo. Pois esse dia chegou, ó tzar!
- E qual é o teu primeiro desejo? –
respondeu o tzar com um sorriso benevolente. – Fala! Sabes que palavra de rei
não volta atrás.
- O meu desejo, ó tzar Dadon, é que me dês
de presente a princesa oriental que trouxeste contigo.
- O quê?! – exclamou o tzar, atônito. – Será
que enlouqueceste, velho? Ou estás possuído por algum demônio?
- Não enlouqueci nem estou possuído por
nenhum demônio, ó tzar! Estou apenas lhe cobrando a promessa que me fizeste,
diante de todo o povo. E palavra de rei não volta atrás, verdade?
- É verdade que eu te fiz uma promessa, e
tenciono cumpri-la. Mas tudo tem limite! E para que queres a donzela? Será que
esqueceste com quem estás falando? – gritou o rei, irritado. E acrescentou: -
Está bem. Podes fazer qualquer pedido: ouro, jóias, preciosidades do meu
tesouro, um cargo de ministro, um corcel dos estábulos reais, até metade do meu
reino, até mesmo...
- Não quero nada disso! – interrompeu o
velho mago. – Eu só quero ver cumprido o meu primeiro desejo, um único
presente: a princesa oriental que trouxeste contigo!
O tzar Dadon ficou furioso:
- A resposta é NÃO! E mais: agora não
receberás nada de mim, nada! Sai da minha frente e do meu reino, velho
atrevido, enquanto estás inteiro! Guardas, levem este traste velho!
O velho mago ofendido e indignado, abriu a
boca para protestar, Mas o tzar, enfurecido, em única resposta vibrou-lhe, do
alto do seu corcel, um golpe com o seu cetro. E o velho e sábio mago caiu
morto, enquanto a princesa oriental ria em gargalhadas cristalinas, para
espanto de todos os circunstantes. Mas o tzar enfeitiçado, que achava graça em
tudo o que ela fazia, sorriu para ela, encantado, enquanto a multidão olhava,
horrorizada e paralisada de susto.
Súbito, ouviu-se na praça um retinir
estranho, e, diante dos olhos arregalados de toda a capital, o galinho de ouro
se alvoroçou, bateu asas, soltou-se da agulha da torre e, descendo em vôo a
pique, sem pousar, deu uma bicada violenta na cabeça do tzar – e se lançou no
espaço como uma seta, antes que alguém pudesse esboçar qualquer reação...
E no mesmo instante o tzar Dadon soltou um
gemido e tombou de seu cavalo para o chão, já sem vida.
Quanto à princesa oriental, sumiu,
desapareceu sem deixar rastro, como se nunca tivesse existido.
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