Get me outta here!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

SOLEDAD MACKINNON - RELATO DE UMA NEÓFITA BRASILEIRA EM APUROS NA NORUEGA

PERIPÉCIAS DE UMA NEÓFITA BRASILEIRA NA NORUEGA

SOLEDAD MACKINNON

"Ontem eu tinha consulta. Tava chovendo e Øystein falou que podia sair do trabalho pra me dar carona até lá, mas que precisava das horas no trabalho. Então, decidi ir andando. Pensei "Eu tenho que aprender. Eu posso!".
Botei calça de lã por baixo da calça jeans. Blusinha básica de lã por baixo do suéter de lã, meu casaco de inverno por cima, meia de lã, bota de chuva, echarpe, luvas, sombrinha, fone de ouvido e fui. No caminho percebi que era melhor fechar a bolsa. Nunca fecho, mas tava chovendo e imaginei que podia molhar tudo dentro. Não foi fácil com a luva nas mãos, echarpe na frente, e uma mão no guarda chuva, mas consegui.
A gente tem mania de não fechar casaco aí, né? Não precisa. Mantive essa mania aqui. Até ontem..
Sempre saio de carro, então nunca preciso de fato mudar os meus (maus) hábitos.
Ontem, no meio do caminho notei que a chuva estava ficando mais forte e que estava ventando muito. Tentei cobrir os ouvidos com o capuz do casaco, porque o vento é tão frio que dá dor nos ouvidos e na cabeça. Uma mão no guarda chuva e com a outra consegui me contorcer e puxar o capuz pra cima da cabeça. O vento tava tão forte que soprou o capuz pra trás de novo. Pensei: "Tá vendo!? Nestsas horas você entende porque tem que aprender a usar um gorro!". Mas já era tarde pra voltar. Continuei tentando pegar o capuz e tapar a cabeça, mas o vento estava ficando mais forte. Começou a bagunçar o meu cabelo na frente da minha cara, tentei consertar, mas o vento começou a tentar tirar o guarda chuva da minha mão. Ou segurava o guarda chuva, ou ajeitava o cabelo. Desisti do capuz. E entendi porque esse povo não se arruma e não se importa com a aparência. Porque não tem jeito mesmo. Meu cabelo tava tapando a minha visão. Mesmo com o guarda chuva a franja tava toda molhada e grudada na testa. Meu jeans tava ensopado porque eu tava contra o vento. Meu casaco tava aberto e o vento gelado soprando dentro dele e a chuva molhando meu suéter e eu tava congelando por inteira. Quis fechar o casaco. Mas como, se tinha as duas mãos no guarda chuva?! Uma segurando a haste, a outra segurando a ponta pra não dobrar porque o vento insistia em dobrar o guarda chuva pra cima. A echarpe agora tava praticamente me dando tapas na cara e eu precisei agarrá-la pra não sair voando. Não sei de onde surgiu a minha terceira mão, que segurou a echarpe. Quanto mais eu andava, mais me aproximava da Marina e consequentemente o vento ficava ainda mais poderoso. Começou a me jogar pra trás. A essa altura eu já não ouvia música porque já tinha desistido de tentar segurar o fone no ouvido. Tinha uma echarpe pra segurar e um guarda chuva que não só não parava na minha cabeça, mas ameaçava quebrar ou ser arrancado pelo vento a qualquer momento. Deixei o fone pendendo, assim como o cabelo na cara e a echarpe voando incontrolável. Desisti de consertar tudo. Naquele caos, não tinha como me importar com uma só coisa. O vento inverteu o guarda chuva, comecei a chorar e a gritar com o maldito guarda chuva e a berrar pros Céus que eu não nasci pra isso!
Ensopada, desnorteada, guarda chuva mais forte que um cachorro bravo me puxando na direção que bem entendesse. Não via os carros à minha frente. Não conseguia ver mais nada. Quis ligar pro Øystein, pedir pra vir me buscar mas o telefone tava no bolso do casaco. Como pegá-lo, sem mãos? Chorei de desespero. Mas de alguma forma consegui liberar uma das mãos, puxei a cordinha do telefone e tentei tirá-lo do meu bolso. Tava agarrado ao tecido do casaco que tava molhado. Já tava em pânico e comecei a brigar com o casaco também, mandando ele soltar aquela M.....!
Liguei pro Øystein, chorando. Vem me buscar agora! Nesse momento o vento de novo jogou a echarpe pra um lado, o cabelo pro outro e inverteu o guarda chuva. Não sabia o que segurar! Chorei mais. Não sabia se seguia em frente, se voltava, se parava e esperava por ele... No meio daquela chuva e ventania, sem lugar pra parar, me cobrir ou esconder, todas as opções pareciam ruins. Eu queria me sentar no meio da rua e chorar. Queria jogar o guarda chuva no chão e pular repetidamente com os dois pés em cima dele, como nos desenhos animados. Mas tava muito frio. Continuei.
Me senti uma idiota pra quem estivesse passando e testemunhasse a cena de uma latina que obviamente não cresceu com tempestades.
Enquanto andava sem saber quanto tempo mais teria que aguentar aquela tormenta, meu cadarço desamarrou. Gritei com a minha bota também. Infeliz! Como se eu tivesse condições de me agachar naquela ventania e amarrar o cadarço sem mãos disponíveis!
...
Uns minutos depois, descrente, frustrada, mais molhada e um pouco mais à frente, Øystein parou o carro do meu lado. Todo compreensivo, apesar da minha falta de controle pela frustração. Joguei tudo no chão do carro e chorei. Ele me abraçou e quando sentiu minha roupa toda ensopada falou esquece a consulta você tá encharcada, vamos pra casa.
...
No fim das contas, descobri que o meu guarda chuva não serve pra NADA neste país. Que casaco, aqui, foi feito pra andar fechado, e não aberto, estilizado, revelando a roupa fashion por baixo e a echarpe cara, como nas revistas de moda. Que echarpe é um enfeite inútil neste tempo. Que luvas lindas não são práticas. E que mesmo que estivesse de gorro (de lã) ele não ia servir de nada na chuva.
Não é fácil entender o que usar e quando usar aqui. Achei que estava aprendendo bem. Até ontem..
A moda de "inverno" foi feita pra outros países. Aqui o estilo é pescador, pinguim, e sem frufruzada. Aqui o que a frufruzada tem de bonita, tem de impraticável e perigosa.
Pra sair de casa e ficar toda molhada e com frio assim, é melhor - como disse a Tharyn - sair de biquíni da próxima vez!"

2 comentários: