O Desaparecido
Rubem
Braga
Tarde
fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam
frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito
grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um
bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando
dentro de mim.
Ah,
que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me
achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma
crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto,
eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino,
o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que
estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece
que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos
nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas
que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.
Sim,
eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma
página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido
que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de
uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti,
pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.
Do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1969, pág. 112, foi extraído o texto acima.
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