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domingo, 26 de outubro de 2014

ANTONIO CARLOS VILLAÇA - QUANDO EU CHEGAR AO CÉU... -

Quando eu chegar ao Céu...

ANTONIO CARLOS VILLAÇA

Resultado de imagem para QUANDO CHEGAR AO CÉUQuando eu chegar ao Céu, de manhã, de tarde ou de noite, não sei ainda, pedirei para ir à biblioteca de Deus, onde curiosamente bisbilhotarei — com respeito — algumas obras. Quero reler a Invenção de Orfeu, de nosso Jorge de Lima, sofredor, telúrico e místico, homem bom, cirenaico, assim lhe chamou Rachel de Queiróz, quando ele morreu, novembro, 15, do ano de 1953.
E pedirei, sim, para conversar com Manu, Manuel Bandeira, que se chamava Neném. Matarei saudades do dentuço Manuel, que foi o melhor ser humano que conheci, neste mundo. E gostaria de conhecer Chiquita do Rio Negro, que recusou casar- -se com Ataulfo Nápoles de Paiva, conviva do baile da ilha Fiscal. Escrevi sobre Chiquita. Li a sua biografia, escrita por Garrigou-Lagrange.
Meu Deus, convocaria Jaime Ovalle, o tio Nhonhô, que morreu com a idade de Jorge de Lima. Ali, na biblioteca do Céu, conheceria o estupendo Ovalle, o do Azulão, o bêbado místico, o amigo de Manuel, íntimo de Londres e de Nova York.
Por fim, suplicaria para falar com João Guimarães Rosa, poliglota, com quem tão poucas vezes falei. E evocaria a posse do seu sucessor, na Casa de Machado. Esqueci-me completamente dessa posse, ai de mim.
E fui. Lá estava eu, 1968. Um ano depois da morte de Rosa. Mário Palmério falou sobre ele, como seu herdeiro. E gostei tanto do discurso, equilibrado, lúcido, original. Se me lembro. Foi procurar cartas íntimas de Rosa para grande amigo, médico e fazendeiro em Minas, Moreira Barbosa. Cartas de outrora. Deliciosas, fraternais, confiantes, de pura entrega. Reveladoras do ser complexíssimo, fechado, carente, que gostava de disfarçar, despistar, ir e vir, comensal do mistério. Saudarei a uns e outros na largueza dadivosa do Céu, turbilhão de amor, como dizia o insaciável Léon Bloy.

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Antonio Carlos Villaça nasceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ), aos 31 de agosto de 1928. Jornalista, conferencista e tradutor, é reconhecido como um dos mais importantes memorialistas do Brasil. É autor de mais de 20 livros, dentre os quais destacamos “Perfil de um estadista da República” (edição do autor, 1945), pequena biografia do Barão do Rio Branco, organizou, em 1962, um livro sobre o poeta romântico Junqueira Freire para a coleção “Nossos Clássicos” (Agir), como memorialista estreou com “O nariz do morto” (JCM, 1970; Rocco, 1975; Ediouro, 1990 e 1996), ao qual se seguiram “O anel” — seu livro preferido — (Editora Rio, 1972), “O livro de Antonio” (José Olympio, 1974), “Monsenhor” (Brasília/Rio, 1975), “Degustação, memórias”, (José Olympio, 1994), “Os saltimbancos da Porciúncula” (Record, 1996), “A descoberta do morro” (Vigília, 1984), “Manuel Bandeira” (Agir, 1984), “O desafio da liberdade” (Agir, 1983), “Alceu Amoroso Lima” (Agir, 1984).
Com o conhecimento adquirido em sua frustrada vida religiosa que, segundo alguns críticos, é a espinha dorsal de sua obra — vide “Villaça: Um noviço na solidão do mosteiro” — produziu ensaios fundamentais, dos quais destacamos “História da questão religiosa” (Francisco Alves, 1974), “O pensamento católico no Brasil” (Jorge Zahar, 1975), “Tema e voltas” (Hachette, 1976), “Literatura e vida” (Nova Fronteira, 1976), “Místicos, filósofos e poetas” (Imago, 1976).
Muitos escreveram sobre sua obra e sua posição importantíssima na literatura brasileira deste século: os poetas Cassiano Ricardo e Carlos Drummond de Andrade, o crítico Wilson Martins, o romancista Octávio de Faria. Conviveu com Alceu Amoroso Lima, Gilberto Amado, Augusto Frederico Schmidt, Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Pedro Nava. Na livraria José Olympio, conversava todas as tardes com Graciliano Ramos.
Em “Memórias de um eterno menino ao sol”, resenha do livro “Os saltimbancos da Porciúncula”, de autoria de Isabel Lustosa, diz ela:
“Villaça é o flaneur, é o homem das multidões, testemunha discreta e atenta, ávida de ver, de compreender, de entrar em contato. Seu olhar contemplativo percorre com calma e volúpia a paisagem e os homens em volta. Retira deles o que apenas a sua sensibilidade, o seu paladar, enfim, os seus sete sentidos apuradíssimos são capazes de apreender. Transforma tudo em palavras. Porque para ele, no principio não é a ação, é o verbo. Villaça defende a primazia da palavra sobre a ação. E as palavras brotam dele com uma naturalidade prazerosa, parecendo nascer assim ao correr da pena, revelando as coisas conforme elas vão se apresentando à memória do que escreve. E, com elas, as sensações que evocam, renovadas, vívidas, palpitantes, como se o narrador estivesse a vivê-las naquele momento, a experimentar de novo a volúpia do sol sobre a pele no quintal da sua infância”.
Antonio Carlos Villaça foi agraciado, em 2003, com o prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra.
O autor faleceu no dia 29 de maio de 2005.

Texto extraído do livro “Os saltimbancos da Porciúncula”, Editora Record – Rio de Janeiro, 1996, pág. 73.

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