ACONTECEU NA CAATINGA
Clotilde Tavares
Era meio-dia e a caatinga brilhava à luz
incandescente do Sol. O pequeno Calango deslizou rápido sobre o solo seco, cheio
de gravetos e pedras, parando na frente do majestoso Mandacaru, que apontava
para o céu seus espinhos, os grandes braços abertos em cruz.
- Mandacaru! Mandacaru! Eu ouvi os
homens conversando lá adiante e eles estavam dizendo que, como a caatinga está
muito seca e cor de cinza, vão trazer do estrangeiro umas árvores que ficam
sempre verdes quando crescem e estão sempre cheias de folhas.
- Mas que novidade é essa? - falou a
Jurema.
- Coisa de gente besta - disse o
Cardeiro, fazendo um muxoxo irritado e atirando espinhos para todo lado.
- Eu é que não acredito nessas novidades
- sussurrou o pequeno e tímido Preá.
A velha Cobra, cheia de escamas de vidro
e da idade do mundo, só fez balançar a cabeça de um lado para o outro e, como
se achasse que não valia a pena falar, ficou em silêncio.
E no outro dia, bem cedinho, os homens
já haviam plantado centenas de arvorezinhas muito agitadas, serelepes e
faceiras, que falavam todas ao mesmo tempo na língua lá delas, reclamando de
tudo: do Sol, da poeira, dos bichos e das plantas nativas, que elas achavam
pobres, feias e espinhentas. Enquanto falavam, farfalhavam e balançavam os
pequenos galhos, que iam crescendo, ganhando folhas e ficando cada vez mais
fortes.
Enquanto isso, as plantas da caatinga,
acostumadas a viver com pouca água, começaram a notar que essa água estava cada
vez mais difícil de encontrar. As raízes do Mandacaru, da Jurema e do Cardeiro
cavavam, cavavam e só encontravam a terra seca e esturricada.
O Calango então se reuniu com os outros
bichos e plantas para encontrar uma solução. E foi a velha Cobra quem matou a
charada:
- Quem está causando a seca são essas
plantinhas importadas e metidas a besta! Eu me arrastei por debaixo da terra e
vi o que elas fazem: bebem toda a nossa água e não deixam nada para a gente.
- Oxente! - gritou o Calango. - Então
vou contar isso aos homens e pedir uma solução.
Mas logo o Calango voltou, triste e
decepcionado.
- Os homens não me deram atenção -
disse. - Falaram que eu não tenho instrução, não fiz universidade e que eu
estou atrapalhando o progresso da caatinga.
E todos os bichos e plantas ficaram
tristes, mas estavam com tanta sede que nem sequer puderam chorar: não havia
água para fabricar as lágrimas. Por muitos dias ficaram assim e quando estavam
à beira da morte houve um movimento: era o Preá, que levantou o narizinho,
farejou o ar e, esquecendo a timidez, gritou:
- Estou sentindo cheiro de água!
- É mesmo! - gritaram todos.
- O que será que aconteceu? - perguntou
a Jurema.
- Eu vou ver o que foi - e o Calango
saiu veloz, espalhando poeira para todos os lados.
O Mandacaru estirou os braços,
espreguiçou-se e sorriu:
- Estou recebendo água de novo! Hum... É
muito bom! Mas vejam! O Calango está de volta com novidades!
E espichando meio palmo de língua de
fora, morto de cansado pela carreira, o Calango contou tudo.
- As pequenas bandidas verdes, depois de
beber quase toda a água da caatinga, estavam ameaçando a água dos rios e dos
açudes perto das cidades. Os homens então viram o perigo e deram fim a todas
elas. Estamos salvos!
E todos ficaram alegres, sentindo a água
subir pelas raízes. Olharam para o céu azul da caatinga, aquele céu claro, o
Sol brilhante, olharam uns para os outros e viram que eram irmãos, na mesma
natureza, no mesmo tempo, na mesma Terra.
E a velha Cobra, desenroscando-se toda
lentamente, piscou o olho e concluiu:
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