MUNDO
ENGRAÇADO
CECÍLIA MEIRELES
O mundo está cheio de coisas engraçadas;
quem se quiser distrair não precisa ir a Pasárgada do Bandeira, nem à minha
Ilha do Nanja; não precisa sair de sua cidade, talvez nem da sua rua, nem da
sua pessoa! (Somos engraçadíssimos, também, com tantas dúvidas, audácias,
temores, ignorância, convicções...)
Abre-se um jornal – e tudo é engraçado,
mesmo o que parece triste. Cada fato, cada raciocínio, cada opinião nos faria
sorrir por muitas horas, se ainda tivéssemos horas disponíveis.
Há os mentirosos, por exemplo. E pode haver
coisa mais engraçada que o mentiroso? Ele diz isto e aquilo, com a maior
seriedade; fala-nos de seus planos; de seus amigos (poderosos, influentes,
ricos); queixa-se de algumas perseguições (que aliás, profundamente despreza);
às vezes conta-nos que foi roubado em algum quadro célebre ou numa pedra
preciosa, oferecida à sua bisavó pelo Primeiro Ministro da Cochinchina. O
mentiroso conhece as maiores personalidades do Mundo – trata-as até por tu!
Seus amores são a coisa mais poética do século. Suas futuras viagens prometem
ser as mais sensacionais, depois dessas banalidades de UIisses e Simbad...
Certamente escreverá o seu diário, mas não o publicará jamais, porque é preciso
um papel que não existe, um editor que ainda não nasceu e um leitor que terá de
sofrer várias encarnações para ser digno de o entender.
Em geral os mentirosos são muito
agradáveis, desde que não se tome como verdade nada do que dizem. E esse é o
inconveniente: às vezes, leva-se algum tempo para se fazer a identificação. Uma
vez feita, porém, que maravilha! – é só deixá-los falar. É como um sonho, uma
história de aventuras, um filme colorido.
Há também os posudos. Os posudos ainda são
mais engraçados que os mentirosos e geralmente acumulam as funções. O que os
torna mais engraçados é serem tão solenes. Os posudos funcionários são
deslumbrantes! Como se sentam à sua mesa! Como consertam os óculos! Que coisas
dizem! As coisas que dizem são poemas épicos com a fita posta ao contrário. Não
se entende nada – mas que diapasão! Que delicadas barafundas! Que sons! Que
ritmos! Seus discursos e as palmas que os acompanham conseguem realizar o
prodígio de serem a coisa mais cômica da terra pronunciada no tom mais sério,
mais grave, mais trágico – de modo que o ouvinte, que rebenta de rir por
dentro, sofre uma atrapalhação emocional e consegue manter-se estático,
paralisado, equivocado.
Os posudos, porém, são menos agradáveis que
os simples mentirosos. Os mentirosos têm um jeito frívolo, como se andassem
acompanhados de um criado que anunciasse: "Não creiam em nada do que o meu
amo diz!" Mas os posudos levam um séqüito de criados, todos posudos
também, que recolhem nas sacolas, grandes e pequenas gorjetas, porque uma das
qualidades do posudo é andar sempre com muito dinheiro – que não é seu!
fim