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sábado, 3 de junho de 2017

MOACYR SCLIAR - A VELHINHA QUE NOS ULTRAPASSA

A VELHINHA QUE NOS ULTRAPASSA
MOACYR SCLIAR
Sou um médico de saúde pública e pratico rigorosamente aquilo que a saúde pública recomenda. Exercício físico, por exemplo. Faço todos os dias, inclusive em viagem: tênis, calção e camiseta (junto com livros e laptop) não podem faltar na bagagem. Muitos hotéis têm os fitness rooms, academias, o que facilita as coisas. Se não há academia, caminho – no parque, na rua, onde der. Fiquei assim conhecendo numerosos lugares de andarilhos: o aterro do Flamengo e os jardins do Catete, no Rio, o fantástico parque de Brasília, o Central Park de Nova York, as avenidas da orla marítima nas cidades do Nordeste. Belas paisagens, trajetos novos: uma experiência gratificante. Retificando: é gratificante até que a velhinha me ultrapassa.
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Seja qual for o lugar, ela sempre aparece. È uma senhora de muita idade, gordinha ou magra, alta ou baixa, vestida de forma simples ou aparece ou sofisticada. De qualquer forma, a velhinha sempre aparece. e aparece me ultrapassando
É, como vocês podem imaginar, uma surpresa desagradável. Porque, e de novo de acordo com as regras, procuro caminhar o mais rápido possível. A regra da Organização Mundial da Saúde fala em brisk walk, passo estugado; e brisk eu sou, tão brisk quanto posso sê-lo. Mas a velhinha é mais brisk do que eu. Com surpreendente desenvoltura, ela me ultrapassa, e quando me recupero do susto já está algumas dezenas de metros à frente.
Eu sei que é puro preconceito – preconceito (machista?) contra mulheres, preconceito contra senhoras idosas -,mas não posso deixar de me sentir profundamente contrariado e humilhado. Como é possível acontecer tal coisa? Como é que um cara que faz exercício físico há tanto tempo e que, portanto, deveria estar em forma é tão ingloriamente e fragorosamente derrotado?
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Não adianta fazer especulações. Não adianta supor que a velhinha está dopada, e que breve está suspensa de qualquer competição (e de qualquer caminhada). O certo é que o fato acabou de acontecer, a pergunta que surge de imediato é: o que fazer agora?
A sabedoria aconselharia a aceitar a coisa com o chamado espírito esportivo. Mas o espírito esportivo parece ter desaparecido – dos estádios de futebol e dos lugares de caminhada. Reagir é que brada, de imediato, o troglodita que todos temos dentro de nós, e que em priscas eras apostava corrida com dinossauros.
De modo que reajo. Aperto o passo, torno-o mais brisk e ultrapasso a velhinha. Feito o quê, tranqüilizado, volto ao ritmo normal. E o incidente já está quase esquecido, de novo a velhinha me ultrapassa.


Fica então claro que só apressar a marcha não resolve. É preciso recorrer a medidas mais drásticas, o mesmo raciocínio que volta e meia ocorre ao Bush. Se marcha acelerada não é suficiente, o  negócio é correr.
Aparentemente, nenhum problema nisso. São muitos os que correm, nas ruas, nas praças, nos parques. Mas quem corre corre, e quem caminha caminha. São duas formas de fazer exercícios; são dois modos de vida e a honestidade diz que é preciso optar por uma coisa ou por outra. O desespero, contudo, nos transtorna e, para evitar a derrota, fazemos, como os políticos, qualquer coisa. Começo pois, a correr e ultrapasso a velhinha. Conseguido o objetivo, volto ao ritmo normal.
Cinco minutos depois ela me ultrapassa de novo. Não precisou correr para fazê-lo. Simplesmente continuou a marcha, com a determinação de sempre.
Como eu disse, não sei quem é esta senhora. Mas quando ela se candidatar à presidência votem nela. Ou arquem com a amargura da derrota.

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contos e crônicas para ler na escola(pg. 91 a 93)

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