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segunda-feira, 26 de junho de 2017

MALBA TAHAN - O DOMADOR DE ELEFANTES

O DOMADOR DE ELEFANTES
MALBA TAHAN
Na décima quinta página do livro Yu-King poderás ler, ó Irmão dos árabes¹, a singular aventura ocorrida na Índia com um domador de elefantes.
Vamos traduzi-la com a maior fidelidade, seguindo, nas linhas e nas entrelinhas, o pensamento do velho sacerdote budista que a escreveu.
No antigo paix² de Carvásti, para além do Ganges, o ³ Lauit anunciou ao povo que precisava, com certa urgência, de um domador de elefantes. Apresentou-se um homem chamado Sougraha, que se dizia perito nesse perigoso ofício.

- Conheço, ó rei – declarou Sougraha – três, maneiras seguras por meio das quais será fácil domesticar um. elefante. A primeira é pelas argolas de prata...
- Está bem – acudiu secamente o monarca – Aceito a tua oferta. Poderás amanhã, depois da prece, iniciar o teu trabalho. O elefante bravio, de minha predileção, será trazido para o pátio. Terás, no fim, uma boa recompensa.
Momentos depois, ao deixar o palácio, o vaidoso Sougraha passou ao lado de um grupo de servos e um destes proferiu um gracejo qualquer. Não se conteve o domador; avançou impetuoso, colérico, contra o jovem e feriu-o gravemente.
Preso pelos guardas, foi o agressor conduzido à presença do rei.
- Que foi isso, meu amigo? – interpelou, muito sério, o monarca. – Que se passou, afinal?
Resultado de imagem para O DOMADOR DE ELEFANTES- Senhor – respondeu Sougraha, com tremores na voz. – Não poderei ocultar a verdade. Ao sair deste palácio, depois da audiência, cruzei, na escada, com um grupo de servos. Um deles dirigiu-me uma pilhéria. Não me contive. Avancei, de golpe, contra o gaiato e castiguei-o com extrema violência. Foi tudo, confuso, obra irrefletida do impulso de um momento.
Ponderou, então, o rei, serenamente, com intencional frieza:
Como pretendes, ó Sougraha, domesticar um elefante bravio, se não és capaz de conter a fera odienta que vive dentro de ti? Aprende, primeiro, meu amigo, a dominar os teus impulsos, o teu gênio, a tua cólera.
E, numa decisão irrevogável, concluiu:
- Retira-te! Não mais me interessa a tua colaboração. Educa-te primeiro, para que possas, depois, educar.

 Resultado de imagem para O DOMADOR DE ELEFANTES
¹Forma carinhosa com que os árabes se dirigem aos seus companheiros.
²Pequeno domínio
³ Senhor

sexta-feira, 23 de junho de 2017

PÚCHKIN - O GALINHO DE OURO

O GALINHO DE OURO
PÚCHKIN
 Resultado de imagem para coroação do czar nicolau ii
O REI DADON era um tzar valente e famoso pelas muitas campanhas e batalhas ganhas de inimigos e vizinhos agressivos. Mas, quando começou a envelhecer, o tzar Dadon, fatigado, resolveu descansar das lutas e das lides, e se entregar a uma vida tranquila e sossegada. Porém, os inimigos, percebendo isso, começaram a perturbá-lo, atacando o seu reino por um lado e por outro, e causando-lhe muitos prejuízos. Não adiantava o tzar Dadon manter um forte exército no Sul: os inimigos o atacavam de surpresa pelo Norte; e se ele mandava o seu exército para o Norte, eles atacavam pelo Sul, e assim no Leste e no Oeste. Até que o tzar não suportando mais essa situação, mandou chamar um famoso sábio, um velho astrólogo e adivinho, para lhe pedir conselhos,
O mago chegou, apresentou-se, ouviu a queixa do tzar, e sem demora tirou da sua sacola um galinho de ouro, e disse:
Imagem relacionada- Majestade, manda colocar esta ave na ponta da agulha da mais alta torre do teu   castelo,  na  tua  cidade--capital. Este galinho de ouro será o teu fiel guarda e sentinela. Se tudo em volta estiver em paz, ele ficará quieto no seu posto de observação. Mas se qualquer perigo ou surpresa desagradável estiver se preparando para ti, bem antes do acontecimento o galo de ouro acordará, baterá as asas e se voltará para o lado de onde virá a ameaça, soltando um sonoro cocoricó, e tu poderás te preparar para qualquer emergência.
O tzar agradeceu ao mago e disse, ao despedir-se dele:
- Por este grande serviço, eu prometo cumprir o teu primeiro desejo qualquer que seja ele, ó sábio mago.
- Quando chegar esse dia, tu saberás o meu desejo, ó tzar! – disse o mago, e foi-se embora.
E daquele dia em diante o galinho de ouro ficou bem quieto no seu posto de observação, no alto da torre.
Um ano transcorreu em paz, depois outro, e mais outro. Mas um belo dia o tzar Dadon, que descansava refestelado no seu leito real, foi despertado pelo sonoro cocoricó do galinho de ouro, que batia as asas e se virava para o lado do Oriente. O tzar imediatamente mandou o seu filho mais velho para aquele lado, à frente de um forte exército. E o galinho de ouro aquietou- -se e se calou.
Mas passados oito dias, o filho do tzar não voltava, e nem mandava notícias. E de repente o galinho de ouro agitou-se e cocoricou de novo, anunciando perigo iminente, do mesmo lado.
Resultado de imagem para tzarO tzar Dandon, alarmado, enviou o seu segundo filho, à frente de outro exército, para o Oriente, a fim de resgatar o irmão mais velho. E o galinho de ouro sossegou de novo.
Mas novamente transcorreram oito dias sem notícias, até o galinho de ouro lançar de novo o seu cocoricó de alarme. Muito preocupado o tzar Dandon resolveu partir ele próprio em busca dos filhos, à frente do seu terceiro exército.
Depois de uma marcha forçada de oito dias por montes e vales sem encontrar sinal nem vestígio de ninguém, o tzar Dandon, com o seu exército, chegou a um vasto descampado, no centro do qual se erguia uma grande e rica tenda de seda. E em volta da tenda - Ó triste visão! – jaziam mortos os bravos guerreiros dos dois primeiros exércitos!
Desolado, o tzar Dandon saltou do seu cavalo e caminhou rapidamente para a tenda... e da sua garganta escapou um gemido de dor e horror: diante dos seus olhos, na frente da tenda, lá estavam os seus dois filhos mortos – com as suas espadas cravadas no peito um do outro. Mortos em duelo! E o infeliz rei prorrompeu em pranto, acompanhado por todos os seus guerreiros.
Resultado de imagem para tenda de seda Mas nisso, de repente, a tenda se abriu e de dentro dela surgiu uma donzela belíssima, uma princesa do Oriente, formosa como a aurora. Sem uma palavra, ela olhou para o tzar Dadon e, com um sorriso radioso, tomou-o pela mão e o levou para dentro da tenda. E no mesmo instante, enfeitiçado pela sua beleza, o deslumbrado tzar Dandon esqueceu as mágoas e os filhos, e passou uma semana inteira na tenda da princesa, em festivo e delicioso repouso e bem-estar.
Finalmente, ao fim de oito dias, o tzar Dadon empreendeu o caminho de volta à sua capital, com o seu exército, levando consigo a esplendorosa beldade oriental, com a qual ia se casar, tornando-a rainha.
Resultado de imagem para nancy kwanO povo recebeu o seu rei com grande festa, aplausos e aclamações saudando o tzar e sua futura e formosa tzarina. E no meio da multidão festiva, quem é que o aguardava? Ninguém mais do que o velho e sábio mago que lhe dera o galinho de ouro.
O tzar cumprimentou-o alegremente e disse:
- Aproxima-te, ó sábio ancião. Sou-te infinitamente grato pela alegria e felicidade que te devo.
- Salve, Majestade! Disse o mago. – Ainda te lembras do nosso trato? Prometeste, pelos meus serviços, satisfazer o meu primeiro desejo, qualquer que fosse ele. E eu disse que, quando chegasse o dia, tu saberias qual é o meu desejo. Pois esse dia chegou, ó tzar!
- E qual é o teu primeiro desejo? – respondeu o tzar com um sorriso benevolente. – Fala! Sabes que palavra de rei não volta atrás.
- O meu desejo, ó tzar Dadon, é que me dês de presente a princesa oriental que trouxeste contigo.
- O quê?! – exclamou o tzar, atônito. – Será que enlouqueceste, velho? Ou estás possuído por algum demônio?
- Não enlouqueci nem estou possuído por nenhum demônio, ó tzar! Estou apenas lhe cobrando a promessa que me fizeste, diante de todo o povo. E palavra de rei não volta atrás, verdade?
- É verdade que eu te fiz uma promessa, e tenciono cumpri-la. Mas tudo tem limite! E para que queres a donzela? Será que esqueceste com quem estás falando? – gritou o rei, irritado. E acrescentou: - Está bem. Podes fazer qualquer pedido: ouro, jóias, preciosidades do meu tesouro, um cargo de ministro, um corcel dos estábulos reais, até metade do meu reino, até mesmo...
- Não quero nada disso! – interrompeu o velho mago. – Eu só quero ver cumprido o meu primeiro desejo, um único presente: a princesa oriental que trouxeste contigo!
O tzar Dadon ficou furioso:
- A resposta é NÃO! E mais: agora não receberás nada de mim, nada! Sai da minha frente e do meu reino, velho atrevido, enquanto estás inteiro! Guardas, levem este traste velho!
Resultado de imagem para nancy kwanO velho mago ofendido e indignado, abriu a boca para protestar, Mas o tzar, enfurecido, em única resposta vibrou-lhe, do alto do seu corcel, um golpe com o seu cetro. E o velho e sábio mago caiu morto, enquanto a princesa oriental ria em gargalhadas cristalinas, para espanto de todos os circunstantes. Mas o tzar enfeitiçado, que achava graça em tudo o que ela fazia, sorriu para ela, encantado, enquanto a multidão olhava, horrorizada e paralisada de susto.
Súbito, ouviu-se na praça um retinir estranho, e, diante dos olhos arregalados de toda a capital, o galinho de ouro se alvoroçou, bateu asas, soltou-se da agulha da torre e, descendo em vôo a pique, sem pousar, deu uma bicada violenta na cabeça do tzar – e se lançou no espaço como uma seta, antes que alguém pudesse esboçar qualquer reação...
E no mesmo instante o tzar Dadon soltou um gemido e tombou de seu cavalo para o chão, já sem vida.
Quanto à princesa oriental, sumiu, desapareceu sem deixar rastro, como se nunca tivesse existido.
Resultado de imagem para o nada

terça-feira, 20 de junho de 2017

FOLCLORE RUSSO - PELE DE BODE

              PELE DE BODE
FOLCLORE RUSSO

Era uma vez um velho e uma velha. Eram camponeses, e muito pobres. Passaram a vida inteira na maior miséria, comendo pouco num dia e nada nos dois dias seguintes. Até que certa manhã a velha morreu, deixando o velho muito aflito, pois não tinha nem como enterrar a mulher.
Tolstoy's Ghost: Tolstoy Undercover
Então o velho mujique se arrastou até a casa do cura da aldeia, um Pope conhecido pela sua avareza, Cumprimentou-o humildemente e pediu, com lágrimas nos olhos.
Ajuda-me, padre, paizinho espiritual: tenho de enterrar minha velha, que morreu esta manhã.
Ao que o Pope respondeu:
- Tens dinheiro para pagar pelo enterro? Não faço fiado, nem parcelado. Tens de pagar antecipadamente.
- Lamento, santo paizinho, mas não tenho nem um copeque furado. Vou trabalhar com afinco, e tudo o que te for devido, pagarei com o meu trabalho.
t927) Russia Moeda 1 Copeque 2007 (15,5mm) Y#600 - R$ 11,00 em ...
- Nada feito, meu filho – respondeu o Pope avarento. – Só com pagamento adiantado. Se não, tens dinheiro, podes voltar para o lugar de onde vieste.
- E o pobre velho saiu da casa do cura.
“O que fazer?”, pensava ele, desanimado. “Acho que terei de enterrar minha velha sozinho, com minhas próprias e velhas mãos, sem a ajuda do Pope!”
Liev Tolstói - Grupo Companhia das Letras
Resultado de imagem para cavandoE o velho voltou para casa pegou a pá e se arrastou para o cemitério. Escolheu um local e começou a cavar. Cava que cava, eis que de repente sua pá bateu em algo duro, que ressoou forte. O velho olhou e, vejam só, lá estava um pote de ferro, cheio até a borda de reluzentes moedas de ouro, brilhando e faiscando debaixo do sol. O velho mal podia acreditar nos seus próprios olhos – mas teve de acreditar: “Isto aqui dá até para um enterro de rico, mais o almoço de homenagem à falecida, como é de nossa praxe. E ainda vai sobrar muito dinheiro!”
Resultado de imagem para cava e encontra um tesouroO velho acabou de cavar a sepultura, pegou o pote cheio de ouro e voltou para a sua isbá. Chegando em casa, ele guardou o seu tesouro, tendo antes retirado dele a maior moeda de ouro, e voltou à casa do Pope.
O cura avarento recebeu-o muito mal:
- Para que voltaste aqui, velho impertinente? Eu já te disse que, sem dinheiro adiantado, nada de enterro.
- Não te zangues, santo paizinho, aceita esta moedinha e faz para a minha velha um enterro como se deve.
E estendeu a pesada moeda de ouro para o pope avarento, cujos olhos, ao vê-la, brilharam mais do que a própria moeda. E imediatamente a sua voz irritada ficou suave e doce, e ele se desdobrava em mesuras e amabilidades diante do velho mujique.
Moedas Antigas Em Bronze Puro Europa Russa Rio Grande Do Sul ...
- Não queres – disse ele agarrando a moeda -, não queres, meu filho, sentar-te aqui no banco? Tu sabes que a minha missão é espiritual, este é o meu trabalho, e tua velha terá um enterro como ela merece, o mais bonito, para ninguém botar defeito.
- Obrigado, paizinho – disse o velho mujique.
Fez uma curvatura e foi-se embora, enquanto o pope ia correndo mostrar a moeda à sua mulher.
- Olha só, mulher, para isto. Aquele traste velho chegou aqui se fingindo de pobre coitado, querendo que eu enterrasse a sua velha de graça. Metido a esperto, não é? Ainda bem que eu recusei: quando viu as coisas mal paradas, resolveu voltar com esta moeda de ouro. Olha que eu já fiz muito enterro de rico e até de nobre, mas um pagamento assim como este, nunca recebi.
E o pope mandou chamar todos os seus auxiliares, o diácono, o salmista, os acólitos, e realizou um enterro como nunca antes foi visto na aldeia. E o viúvo agradecido convidou o pope com todos os outros para o almoço de homenagem à falecida, segundo a velha praxe russa.
Quando o pope entrou na isbá do velho, arregalou os olhos de espanto. De onde teria surgido tudo aquilo na casa do velho e pobre campônio? Vinho e mel, salgadinhos e tira-gostos, pratos diversos, bolos e doces – a mesa vergava debaixo de tanta e rica comida!
Izba - Wikipedia
O pope esperou que o último convidado se retirasse, farto e agradecido, e dirigiu-se ao velho viúvo:
- Escuta, caríssimo filho meu, confessa-te com o teu pai espiritual, que sou eu, não guardes pecado no teu coração. Sempre foste pobre como um rato de igreja, pode-se dizer que eras o mais pobre dos meus paroquianos, e de repente, não se sabe como, apareces com toda esta fartura. Conta-me a verdade meu filho: quem sabe cometeste um crime, mataste e roubaste alguém?
O velho ficou ofendido:
- O que é isso? Eu te digo toda a verdade, juro sobre a santa cruz: não roubei, não matei ninguém. Este ouro veio sozinho parar nas minhas mãos. Ouve só o que aconteceu.
E o velho contou ao pope como encontrara o tesouro, ao começar a cavar a sepultura da sua velha.
O pope escutou tudo, verde de espanto e inveja. Chegou em casa tremendo e de pernas bambas, só pensando na sorte do velho viúvo. A mulher estranhou o jeito dele e começou a fazer perguntas. Então ele lhe contou o que acontecera, e os dois puseram-se a pensar em como tomar posse do tesouro do velho.
Finalmente o pope teve uma idéia:
- Escuta, mulher, já sei o que vamos fazer. O próprio velho vai nos entregar seu ouro, sem qualquer violência.
- Como assim – perguntou a mulher.
- Eu já te explico. Mas teremos de sacrificar o nosso único bode. Concordas em ficar sem ele? Não terás dó de matá-lo?
Resultado de imagem para bode velho- Para que ter dó de um velho bode? – disse a mulher. – Quando tivermos as moedas de ouro, poderemos comprar quantos bodes quisermos. Conta qual é a tua ideia.
O pope contou à mulher o que pensara, e em seguida pegou o facão, saiu, matou o bode, arrancou-lhe a pele, e vestiu-a no seu próprio corpo, com cabeça, barba, chifres e tudo. E entrou em casa.
- Pega, mulher, uma agulha grossa e uma linha forte, e costura a pele do bode no meu corpo, bem justa, para que não escorregue e nem caia quando eu andar.
A mulher fez o que o pope mandou. E no mesmo dia, quando bateu meia-noite, o pope saiu e dirigiu-se sorrateiro à isbá do viúvo. Lá chegando, começou a golpear e a arranhar a janela do casebre.
O velho acordou, levantou-se e foi até a janela.
- Quem está batendo? – perguntou.
- É o diabo! – respondeu o pope, com voz disfarçada e ameaçadora.
- Deus me livre e guarde! – gritou o velho, e começou a rezar, persignando-se apavorado.
Resultado de imagem para bode velho- Não adianta persignar-se nem rezar, que de mim não existe escapatória!- rosnou o pope atrás da janela. – É melhor que me entregues logo o pote de ouro, por bem, ou será pior para ti. Fui eu que te ajudei, te mostrei o tesouro na cova. Pensei que ias tirar um pouco, só para o enterro, mas tu carregaste tudo! Agora devolve!
O velho, meio desconfiado, espiou pelo reposteiro, e quase desmaiou de susto: lá estava o “diabo” em pessoa, sacudindo a sua cabeça de bode. Cabeça de diabo, cara de bode, barba, chifres e tudo!
Caveira de bode cranio de bode Lady Seth no Elo7 | Enigma Urbano ...
Apavorado o velho disse consigo: “O diabo que vá para o inferno, com o seu ouro impuro! Se até agora eu vivi sem dinheiro, posso terminar minha vida sem o ouro do diabo!”
E mais que depressa pegou o pote de ouro e o colocou do lado de fora da porta de sua isbá.
- Para o diabo com este ouro maldito!
O pope disfarçado agarrou o pote e saiu correndo. Chegou em casa esbaforido e falou para a mulher:
- Olha só, mulher, enganei o velho bobalhão! Está aqui o dinheiro todo, todinho, só ouro puro! Pega e esconde bem escondido!
A mulher foi esconder o pote debaixo das tábuas do assoalho. Ao voltar, o pope, já aflito dentro da pele do bode, lhe disse, apressado:
- Pega a faca, mulher, corta as costuras e livra-me desta pele de bode, que já está fedendo, antes que alguém me veja.
A mulher apanhou o facão na cozinha e começou a cortar uma costura – e o pope soltou um berro de dor:
- Ai, ui! Está doendo! Pára, pára!
E de fato, começou a escorrer sangue no lugar do corte da linha. A mulher tentou cortar uma outra costura – e o sangue brotou também ali.
- Ai, ui! Dói! Ai, que eu não agüento! – uivava o pope.
E onde quer que a mulher tentasse cortar a linha, o sangue espirrava, e o povo urrava de dor. O couro do bode tinha grudado, inteirinho, na pele do pope avarento, e não havia como tirá-lo!
Vendo as coisas pretas, e apesar de lamentar ter de separar-se do dinheiro mal ganho, o pope, gemendo, falou para a mulher:
- Vai depressa, mulher, leva de volta ao velho este ouro amaldiçoado! Quem sabe assim eu me livro desta pele de bode fedida!
A mulher obedeceu. Pegou o pote com o dinheiro, levou para o viúvo, confessou-lhe o truque do pope, pediu perdão e voltou para casa.
Mas nem o arrependimento salvou o pope avaro e mentiroso. E assim ele viveu escondido na sua casa fechada, deitado sobre a estufa, costurado dentro da pele de bode, sem poder mostrar-se a ninguém, até o fim da sua vida.
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domingo, 11 de junho de 2017

CLARICE LISPECTOR - DAS VANTAGENS DE SER BOBO

DAS VANTAGENS DE SER BOBO

CLARICE LISPECTOR

 ELENCO DE CRONISTAS MODERNA, 21ª, RIO DE JANEIRO, JOSÉ OLYMPIO, 2005 


             O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem à idéia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai à boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste, era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e, portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.
Resultado de imagem para BOBOAviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

 Resultado de imagem para BOBO

FIM