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sábado, 27 de maio de 2017

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - POSTO 5

POSTO 5

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Cena acre doce de praia.
 
Alzira, 43 anos, funcionária pública graduada, bonita mesmo se não tivesse feito a plástica, divorciada, uma filha que mora com o pai, Posto 5, domingo de manhã, avista, vindo na sua direção entre os guarda-sóis e os argentinos, Rogério, de 22 anos. Seu coração pula no peito como se tivesse 19. Ela procura seus cigarros dentro da grande bolsa de praia – loção, lenço de papel, O Globo, meu Deus, ele está chegando perto! – para disfarçar seu alvoroço. Rogério pára entre ela e o mar e diz, meu Deus:
- Oi, Alzira.
Ela ainda não decidiu o que fazer, que cara usar, o que dizer. Seis meses e ele diz “Oi”. Ela devia mandá-lo passear. Virar a cara. Chamá-lo de cafajeste e mal agradecido. Tudo menos aquela vontade de abraçar as suas pernas e recebê-lo de volta.
- Como vai, Rogério?
- Legal, e você? Tá boazinha?
Ele agacha-se ao seu lado. Ela intensifica a busca dos cigarros. Calma, Alzira. Lembre-se de que você jurou. Nunca mais. Mesmo se ele voltasse de joelhos. Ele põe um joelho no chão. Toca o cabelo dela com a ponta dos dedos.
- Você parece ótima.
- Eu estou ótima.
- E você?
- Vai-se levando.
- Você tem um cigarro? Eu não encontro os...
- Você está fumando de novo?
Por sua causa, cafajeste. Cigarro, Valium e desespero. Só não me matei por causa da minha filha.
- Fumo pouco.
- Corta essa.
- Você não veio aqui para me dizer isso, foi?
- Você está magoada comigo?!
- Por que magoada? Só o que você fez foi me deixar um dia, sem qualquer explicação, sem um telefonema, sem... Acontece todos os dias.
- Não tinha o que explicar.
- Esperei dois meses e dei as suas cuecas para o porteiro.
- Alzira...
Aquele sorriso. Calma, Alzira. Frieza. Não peça compaixão. Não peça nada. Se ele quiser voltar, imponha condições. Você está indo bem, Alzira. Ele se deu conta do que perdeu. Não diga nada. Deixe ele falar. Ele está falando.
- Você é uma pessoa muito importante para mim.
- Sou?
- Nunca conheci ninguém como você.
- Sei.
- Verdade. Acho que com você, sei lá. Eu me transformei com você. Fiquei mais maduro. Foi um negócio muito sério. Profundo...
É o seu triunfo, Alzira. Saboreie.
- Acho que o que houve entre nós dois foi profundo demais para ser destruído. Entende? Eu estava errado. Não devia ter dado no pé como dei.
- Acontece.
- Não seja assim, Alzira.
- Assim, como?
- Você ficou magoada.
- Não fiquei. Foi bom e acabou. Pronto.
Agora ele vai dizer que não acabou. Que não precisa acabar. Ele está com os dois joelhos na areia. Ele vai implorar, Alzira. Ele diz:
- Tem uma pessoa que eu quero que você conheça.
Alzira, Alzira...
- Quem é?
- Ela está comigo. Posso trazer aqui?
- Traz, ora.
Ele ergueu-ser e corre para a beira do mar. São 11 horas. Alzira pensa em correr também. Para casa. Dar no pé. Está tonta. Procura os óculos escuros no bolsão. Encontra os cigarros, mas não encontra os óculos. Rogério está voltando. Traz uma moça pela mão. Dezoito anos.
- Alzira, Silvia. Silvia, Alzira.
- Oi, Silvia.
- Como vai a senhora?
- A Silvia é minha noiva, Alzira.
- Opa. Noiva?
- Eu queria que você conhecesse.
- Ela é muito bonita.
- A Alzira é uma pessoa...
Ele vai dizer que você é quase uma mãe para ele, Alzira. Ele tocou o seu cabelo com a ponta dos dedos, Alzira.
- ... uma pessoa que eu respeito muito. A opinião dela.
- Pois a minha opinião é que Silvia é um doce. Parabéns.
- Muito obrigado.
- Obrigado por quê?
- Por tudo.
- O que é isso, meu filho?
Depois que eles se afastam, Alzira abre sua bolsa de praia com firmeza. Primeiro, precisa encontrar os óculos escuros. Depois pegar um lenço de papel para assoar o nariz, que a vida é assim mesmo.

VERÍSSIMO, Luís Fernando; Melhor das Comédias da Vida Privada, O; Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2004; pgs72/75

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