POSTO 5
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
Cena acre doce de praia.
Alzira, 43 anos,
funcionária pública graduada, bonita mesmo se não tivesse feito a plástica,
divorciada, uma filha que mora com o pai, Posto 5, domingo de manhã, avista,
vindo na sua direção entre os guarda-sóis e os argentinos, Rogério, de 22 anos.
Seu coração pula no peito como se tivesse 19. Ela procura seus cigarros dentro
da grande bolsa de praia – loção, lenço de papel, O Globo, meu Deus, ele está chegando perto! – para disfarçar seu
alvoroço. Rogério pára entre ela e o mar e diz, meu Deus:
- Oi, Alzira.
Ela ainda não
decidiu o que fazer, que cara usar, o que dizer. Seis meses e ele diz “Oi”. Ela
devia mandá-lo passear. Virar a cara. Chamá-lo de cafajeste e mal agradecido.
Tudo menos aquela vontade de abraçar as suas pernas e recebê-lo de volta.
- Como vai,
Rogério?
- Legal, e você? Tá
boazinha?
Ele agacha-se ao
seu lado. Ela intensifica a busca dos cigarros. Calma, Alzira. Lembre-se de que
você jurou. Nunca mais. Mesmo se ele voltasse de joelhos. Ele põe um joelho no
chão. Toca o cabelo dela com a ponta dos dedos.
- Você parece
ótima.
- Eu estou
ótima.
- E você?
- Vai-se levando.
- Você tem um
cigarro? Eu não encontro os...
- Você está fumando
de novo?
Por sua causa,
cafajeste. Cigarro, Valium e desespero. Só não me matei por causa da minha
filha.
- Fumo pouco.
- Corta essa.
- Você não veio
aqui para me dizer isso, foi?
- Você está magoada
comigo?!
- Por que magoada?
Só o que você fez foi me deixar um dia, sem qualquer explicação, sem um
telefonema, sem... Acontece todos os dias.
- Não tinha o que
explicar.
- Esperei dois
meses e dei as suas cuecas para o porteiro.
- Alzira...
Aquele sorriso.
Calma, Alzira. Frieza. Não peça compaixão. Não peça nada. Se ele quiser voltar,
imponha condições. Você está indo bem, Alzira. Ele se deu conta do que perdeu.
Não diga nada. Deixe ele falar. Ele está falando.
- Você é uma pessoa
muito importante para mim.
- Sou?
- Nunca conheci
ninguém como você.
- Sei.
- Verdade. Acho que
com você, sei lá. Eu me transformei com você. Fiquei mais maduro. Foi um
negócio muito sério. Profundo...
É o seu triunfo,
Alzira. Saboreie.
- Acho que o que
houve entre nós dois foi profundo demais para ser destruído. Entende? Eu estava
errado. Não devia ter dado no pé como dei.
- Acontece.
- Não seja assim,
Alzira.
- Assim, como?
- Você ficou
magoada.
- Não fiquei. Foi
bom e acabou. Pronto.
Agora ele vai dizer
que não acabou. Que não precisa acabar. Ele está com os dois joelhos na areia.
Ele vai implorar, Alzira. Ele diz:
- Tem uma pessoa
que eu quero que você conheça.
Alzira, Alzira...
- Quem é?
- Ela está comigo.
Posso trazer aqui?
- Traz, ora.
Ele ergueu-ser e
corre para a beira do mar. São 11 horas. Alzira pensa em correr também. Para
casa. Dar no pé. Está tonta. Procura os óculos escuros no bolsão. Encontra os
cigarros, mas não encontra os óculos. Rogério está voltando. Traz uma moça pela
mão. Dezoito anos.
- Alzira, Silvia.
Silvia, Alzira.
- Oi, Silvia.
- Como vai a
senhora?
- A Silvia é minha
noiva, Alzira.
- Opa. Noiva?
- Eu queria que
você conhecesse.
- Ela é muito
bonita.
- A Alzira é uma
pessoa...
Ele vai dizer que
você é quase uma mãe para ele, Alzira. Ele tocou o seu cabelo com a ponta dos
dedos, Alzira.
- ... uma pessoa
que eu respeito muito. A opinião dela.
- Pois a minha
opinião é que Silvia é um doce. Parabéns.
- Muito obrigado.
- Obrigado por quê?
- Por tudo.
- O que é isso, meu
filho?
Depois que eles se
afastam, Alzira abre sua bolsa de praia com firmeza. Primeiro, precisa
encontrar os óculos escuros. Depois pegar um lenço de papel para assoar o
nariz, que a vida é assim mesmo.
VERÍSSIMO, Luís
Fernando; Melhor das Comédias da Vida Privada, O; Rio de Janeiro, RJ: Objetiva,
2004; pgs72/75
0 comentários:
Postar um comentário