Get me outta here!

sábado, 22 de agosto de 2015

LUIZ CARLOS BARBOSA LESSA - A PROCISSÃO DO AZAMBUJA

A procissão do      Azambuja

publicado por Roberto Cohen em 16 de Março de 2012.
Livro "Histórias para sorrir", de Luiz Carlos Barbosa Lessa. Editora Alcance.

          Sacristão aposentado, e lavrador nas horas vagas, o Azambuja vivia num casebre no Rincão das Pulgas e era figura bastante popular na vila de Canguçu. Havia começado ainda mui guri a profissão de auxiliar eclesiástico, como uma espécie de ordenança do Padre Pâncaro. Quando da Revolução de 1893, esse sacerdote permanecera firme em seu posto na Região Sul enquanto a maioria dos vigários se mandava para cidades mais seguras, e muitas vezes os dois tiveram de levar pistola à cintura para garantir o batismo de uma criança ou a extrema-unção de um moribundo. Mais que padre, o finado Pâncaro tinha sido um herói.
    As tantas peripécias por que passara numa atividade fora do comum faziam do Azambuja um papo apreciado não só nos humildes galpões e na venda do Jango Torto mas, inclusive, na sala de cidadãos letrados, como o Dr. Teófilo, advogado residente na vila e talvez o seu maior amigo. Da vida das igrejas ele trouxera não só causos de que participara pessoalmente mas, também, histórias que ele ouvira nas sacristias - tais como aquela façanha do vigário do Alegrete que havia encomendado de Portugal, sua terra, um riquíssimo trajo para a imagem de Nosso Senhor; e como erraram nas medidas e a veste chegara muito curta, não vacilara em passar o serrote nas pernas do Santo - daí resultando um Cristo com jeito de anão e um ruidoso processo canônico contra o pobre português.
    Numa época em que não havia rádio nem televisão, e quando o Almanaque do Biotônico e outros almanaques anuais eram o único sinal de comunicação em massa naqueles cafundós, não havia quem se igualasse ao Azambuja na animação dos auditórios campeiros.
    Mas não se limitava a contar causos. Após vinte e tantos anos de sacristanagem, sabia batizar em língua de padre, fazia benzeduras de água benta, mais de uma vez realizou o santo sacramento do matrimônio para tranquilizar a alma dos casais juntados. Do pobrerio das Pulgas, e mesmo de rincões mais afastados, era sem conta o número de pessoas que vinham bater à porta do seu rancho. Prestativo, jamais negava auxílio aos necessitados de Deus. E se acaso o devoto trouxesse o pedido acompanhado por algum presente, ele logo desfiava a reza em Latim - o que correspondia a uma confortadora certeza de ser atendido:
  Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta... ... e com os presentes dos fiéis ia vivendo.
    Uma tarde de sábado, meados de dezembro. Na venda do Jango Torto estavam proseando o Gaudêncio Terres, o Raul Silveira, o Azambuja e mais meia dúzia de companheiros, mas os assuntos se arrastavam com inusitada frouxidão. Até que alguém tomou coragem e referiu-se ao problema que a todos vinha preocupando: a estiagem. Temiam que se repetisse, agora, aquela terrível seca de dois anos antes. Açudes transmudados em torrões estéreis. Capinzal amarelado e ralo tentando em vão amparar as reses trôpegas que vagueavam na busca contínua de alimento. O sol torrando os pés de milho, que a vida abandonava nos cercados. E o sol torrando as assadas que a morte ia semeando junto aos banhados enxutos. E o sol alongando, pela estrada poeirenta, a sombra do gaúcho pobre que - com um filho nos braços e a mulher ao lado - fugia para campear serviço (procurar emprego) na cidade. Quase seis meses a terra sofrera até que as chuvas chegassem copiosamente. E tanta história triste se contou, daquela feita, que o povo sentia um arrepio de terror só em imaginar a vinda de outra Seca Braba.
    - Quando eu vinha vindo para cá - disse o Gaudêncio - estive olhando, ali na beira do açude, os ninhos de quero-quero (uma ave pernalta). Nada melhor que esse bicho para anunciar bom ou mau tempo. Ele não arrisca filhote na enchente. Ninho feito no alto, longe do banhado (Pãntano, terreno alagadiço), é aguaceiro se espalhando no baixio. E ninho na beira d'água... como eu vi... Nem precisou completar a frase.
    - A minha última esperança estava na mudança de lua acrescentou o Raul Silveira. - Não hai quem não saiba que lua nova trovejada, todos quartos são molhados. Pois agora, nos dias da nova, trovejou como turco caloteado e, no fim, não deu em nada. Quando o tempo não quer chover, mesmo, não tem sinal que dê certo.
    Outros foram dando um talho nessa prosa, mas sem nenhum otimismo. Dois anos passados, parece que iriam novamente comer o pão que o diabo amassou.
    Caiu pesado silêncio. E foi aí que o Azambuja entrou, de mansinho:
    - Por falar em diabo... Eu lá com Deus chego com a confiança de peão antigo, que conhece as manhas do patrão. Se a chuva já está fazendo tanta falta assim, eu posso entrar com as rezas, o vizindário contribui com os competentes óbolos, e Nosso Senhor se encarrega da água.
    - Como é mesmo?!
    - A gente faz uma baital procissão até a igreja matriz.
   Um lampejo de esperança percorreu o grupo. E o Azambuja, dono da situação, foi escolhendo os termos mais empolados do seu vocabulário:
   - Eu me encarregarei das preces. Se alguém tiver retrato de santo é bom levar; sempre ajuda. Quem souber rezar, me auxiliará nesse mister. E quem não souber, basta recolher-se em piedade, contrito, de quando em vez erguendo o olhar aos céus para clamar proteção à Divina Providência.
   Vencido o minuto de surpresa, foi Gaudêncio o primeiro a expressar que estava meio acreditando no possível milagre.
     - Mas será que chove mesmo, seu Azambuja?
   Mui sério, ele respondeu sacudindo a cabeça num sinal de garantia absoluta.
  Daí a pouco um já prometia dar como óbolo uma galinha e, outro, uma barriguinha de erva-mate. Até que o Jango Torto entrou nos finalmentes:
  - Marque logo o dia da procissão, seu Azambuja. Quanto antes, melhor; não é mesmo?
    - Bueno... Por ora, o essencial é que seja convocado o maior número possível de devotos. Que fiquem aguardando minha conclamação. No dia fixado, dirijam-se todos ao meu rancho. De lá até a vila, na calma, é no máximo hora e pico (uma hora e tantos minutos) de marcha. A marcha da Fé!
    - Mas qual será, mesmo, o dia?
   - Bueno... Por causa dos preparativos necessários, e até mesmo porque preciso entrar em profunda concentração espiritual, o dia exato ainda não sei ao certo. Mas...
    E o Gaudêncio encerrou o assunto:
    - Hoje mesmo eu começo a avisar de casa em casa.
  A notícia de que iria haver procissão correu pela vizinhança e logo ecoou na sede do município. Depois, se soube a data: ia ser no primeiro domingo de janeiro. Ora, qualquer fato fora do comum, num domingo em cidadezinha pacata, põe em rebuliço as horas de vadiagem devidas ao Senhor. É hoje! A chegada do préstito estava prevista para as quatro horas, mas desde o começo daquela tarde ensolarada já havia um mundaréu de gente na ponta da vila. Fugindo ao castigo do solaço, buscaram acolhida à sombra dos eucaliptos da chácara do seu Félix Goulart. Chimarrão correndo na volta, criançada brincando solta. Mais gente e mais gente chegando. A bem da verdade seja dito que poucos eram movidos por um espirito realmente religioso: o que buscavam, mesmo, era a oportunidade de um divertimento à custa do compenetrado ex-sacristão.
Resultado de imagem para procissãoQuando alguém notou que uma poeira mais densa vinha subindo lá por detrás da curva do caminho, foi aquela corrida alvissareira para uma barranco mais alta. Cada qual procurava avistar por primeiro a procissão do Azambuja.
   - Olha lá! Já estou enxergando os trouxas! - gritou alguém num grupo de rapazotes que havia planejado ir ao encontro dos romeiros com o único fito de ridicularizá-los.
  Era pouco mais de uma centena de homens e mulheres, ao tranquito do cavalo (em calma andadura) ou a pé, cerimoniosamente avançando sob a mais compenetrada devoção. Alguns, cabisbaixos. Outros poucos, fitando as contas do rosário que traziam às mãos. A maioria, de olhar grudado no Azambuja. Este, imponente, dirigindo as orações e de vez em quando erguendo as mãos ao alto para bradar a plenos pulmões:
    - Mandai-nos chuva, Senhor!
    ... ao que o povo respondia a uma voz:
    - Chuva, Senhor!
  À sombra dos eucaliptos da chácara do seu Félix Goulart, todos os olhares voltados para a procissão se aproximando. Mas, com a atenção voltada para lá, ninguém se apercebia do que estava acontecendo aqui: a sombra, antes tão nítida sob o arvoredo, empalidecia gradativamente e já se espalhava pela serrania afora. Uma estranha fumaceira, em espessas camadas, começava a cobrir todo aquele céu desanuviado e mormacento...
  Antes ninguém havia percebido isso, mas, agora quando o Azambuja e sua comitiva já vinham pertinho, todo mundo atentou para o negro paredão de nuvens que se alteavam do horizonte e todo mundo sentiu a leve aragem sacudindo a atmosfera até então paralisada e esbraseante. Tão profunda impressão causou essa metamorfose - sublinhada pelo coral das preces - que muita gente que pretendera ser mero espectador já agora se incorporava, com contrição, ao préstito. E aquele próprio grupo de rapazotes, pacholas, ao se dar conta já estava também implorando, ao lado dos mais fiéis:
    - Chuva, Senhor!
   Ao faltar umas quatro quadras para chegar-se à praça central e à matriz da Conceição, já um tropilha de nuvens carregadas passava galopando baixinho, baixinho, enchendo de profundas sombras o ar saturado de aromas que a terra enviava, febril, de suas entranhas. Então a voz do Azambuja parecia confundir-se com o matracar surdo da tormenta que vinha chegando, e somente se sobrepunha àquele ruído no estribilho altissonante:
    - Mandai-nos chuva, Senhor!
  Com uma resposta salpicado de sorrisos de alívio e arrepios de emoção:
   - Chu... uva... Se... enhor...
  A procissão nem pôde completar em ordem seu roteiro. Desabou um aguaceiro torrencial, e cada um tratou de chegar o mais depressa possível aos resguardados portais do velho templo de Nossa Senhora da Conceição.
  O Azambuja, entretanto, parecia nem se dar conta do que estava acontecendo. Rodeado apenas por um último punhado de companheiros - a velha Quinota sempre ao lado, com a imagem da Virgem à ponta de um bambu - ele seguia imperturbável seu caminho, a passos calmos, mãos firmes desfiando as derradeiras contas do rosário. Somente ao chegar à porta da igreja, onde o povaréu se apinhava, é que pareceu voltar a si. Tombou de joelhos ao chão e, erguendo o rosto para o alto, molhou seu largo sorriso na chuvarada e exclamou num gargarejo forçado:
   - Obrigado, Senhor!
  Havia gente que chorava de felicidade.
 A maioria dos romeiros não pôde voltar para os ranchos, naquele dia, pois a chuva continuou se esforçando para corresponder plenamente ao peditório; não faltaram amigos, porém, ou simples conhecidos, para oferecer pouso numa noite de tanta glória. Tranquilamente o Azambuja dirigiu-se à morada do amigão Dr. Teófilo, onde dona Alice recepcionou-o com os olhos manejados de emoção e a empregada Zulmira fez questão de beijar as mãos do santo herói do dia.
   No comecinho da noite apareceu na casa do Dr. Teófilo um emissário do major Alteçor Almeida dizendo que este e outros fazendeiros fortes - agora aliviados da ameaça de uma nova Seca Braba - haviam carneado uma novilha e estavam assando um grande churrasco de confraternização comunitária em homenagem ao Azambuja. Com a mais tocante humildade cristã, porém, o homem declinou da homenagem, dizendo-se sobejamente brindado pela bondade divina e alegando que o cansaço produzido pela longa e tensa cerimônia o aconselhava a recolher-se ao leito bem mais cedo. Que o desculpassem.
   Após o jantar, quando estavam meio a sós, o anfitrião lascou a pergunta que o vinha intrigando:
  - Entre velhos amigos não se deve guardar nenhum segredo. Escuta aqui, Azambuja. Responde com toda a sinceridade. Acreditavas, mesmo, que as tuas orações iam dar ponto?
  Durante dois ou três minutos o Azambuja ficou silenciosamente com o olhar posto nos olhos do amigo, como se avaliasse até que ponto deve chegar uma obrigação de fidelidade, um demonstração de lealdade. Depois olhou em redor, para se certificar de onde estavam dona Alice e a Zulnúra. Tranquilizou-se ao perceber que elas deviam estar lá dentro, na cozinha, e que certamente não iriam escutá-lo.
   - Bueno... a reza sempre ajuda, como não! Mas... mas...
   Hesitava, ainda. Por fim enfiou a mão no bolso interno do casaco e dele retirou um livretozinho cuidadosamente dobrado. Desdobrou-o e mostrou a capa ao Dr. Teófilo: Almanaque Regional.
   - Assim para os primeiros dias do ano ele nunca negou fogo.
   E leu:
   Dia 4 - Região Sul - Fortes chuvaradas, com queda de temperatura.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

PUBLICADO POR ROBERTO COHEN - A CHEGADA DO TREM NO CAMPO -

A chegada do trem no campo
publicado por Roberto Cohen em 16 de Março de 2012.


          No final dos anos quarenta, início de cinquenta, empenhava-se o exército brasileiro, com seu batalhão ferroviário, em completar a ligação de Porto Alegre a São Paulo. E os trilhos iam cortando os Campos de Cima da Serra na região de Vacaria em direção a Lages. E lá passavam pelos campos de grandes fazendeiros.
        Pela fazenda da Jaguatirica, de propriedade dum tal de Herculano da Luz, cruzou o trilho em grande extensão. E o Dr. Herculano, que morava em Porto Alegre, determinou a construção de alambrados no decorrer da cerca, para proteger o gado, antes que chegasse o tal de trem.
     Vindo de Porto Alegre, inspecionou o serviço e viu que não ia dar tempo: antes de terminar a cerca seria inaugurada a linha do trem! Então ele resolveu contratar diversos posteiros, para que, sabendo quais os rumos, os dias e horários em que o trem deveria passar, cuidassem de afastar o gado de perto dos trilhos.
      Assim que, entre os posteiros, arranchou-se um tal de Chico Manco, tido como vadio e muito conversador. E, já na primeira viagem, deu-se a tragédia! Veio o trem e atropelou mais de uma dezena de cabeças de gado. Sabedor da má notícia, o Dr. Herculano foi aos fundos da fazenda tirar satisfações do Chico Manco:
      - Mas como foi isso Chico?
Resultado de imagem para GADO E TREM    E o posteiro, senhor de si, com a voz bem entonada explicou:
     - Olha Dr... tivemo sorte!
   - Como tivemos sorte?! Vem o trem e, na primeira viagem, lá se vão quinze cabeças de gado?!
   - Tivemo sorte, Dr. Herculano, pois o bicho resolveu cruzá de cumprido! Pois se ele vem de atravessado não sobrava nem eu prá lhe contá a história.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

ANÔNIMO - ROSA - UMA EXPERIÊNCIA CROMOTERÁPICA

Rosa
ANÔNIMO
Uma experiência Cromoterápica
Savitri e eu tínhamos um grupo de amigos, um pouco mais velhos do que nós, muito místicos e com os quais nos reuníamos sempre para conversar e contar nossas experiências pessoais e nossas histórias de vida.
Sushila, amiga de Savitri, retornou de uma viagem a Mumbai (Bombay) e um dia nos convidou para nos reunirmos em sua casa para sabermos das novidades e de uma experiência que ela tinha vivido intensamente e que era muito interessante.
Não preciso dizer que ficamos curiosos. Primeiro porque Mumbai é considerado o maior centro industrial e comercial do nosso país além de ser considerada a Hollywood da Índia. Devido a todas essas coisas e porque tudo acontece nesta cidade frenética e maravilhosa, ficamos muito excitados aguardando o dia do encontro. Além disso, havia ainda a experiência interior que Sushila tinha vivido e que era o grande chamariz da nossa reunião. Para vocês compreenderem bem o nosso interesse devo informar-lhes que Sushila é uma pessoa estudiosa e que se interessa por diversos ramos do conhecimento filosófico como Yoga, Vedanta, Mitologia, Cromoterapia etc. Na verdade ela chegou a ensinar a alguns de nós aulas práticas de Yoga.
No sábado combinado, passei na casa de Savitri e a apanhei para irmos juntos. No caminho encontramos alguns amigos e conversando fomos direto ao encontro com Sushila, diga-se de passagem, cada um mais curioso do que o outro. A pergunta que sempre saía dos nossos lábios era: Que experiência foi essa que Sushila teve?
Após os cumprimentos iniciais nos acomodamos nos almofadões coloridos que ela tinha trazido de Mumbai. Sushila começou o seu relato: Contou-nos primeiro da beleza da cidade, dos filmes que estavam passando e que ela tinha conseguido ver, das praias maravilhosas, de sua ida até a ilha de Gharapuri, onde fica a Gruta Elefanta, e dos diversos locais visitados por ela.
Depois deste preâmbulo, que a todos pareceu longo demais, ela nos disse que, através de uma amiga, tinha sabido que um grande mestre de Vedanta, Swami Chinmayananda, tinha voltado de uma viagem ao exterior. Ele se encontrava no seu ashram, perto do aeroporto da cidade e que seria muito bom conhecê-lo, pois ele era considerado um dos grandes homens-santos da atualidade. Ela se dirigiu pela manhã ao Sandipani Sadhanalaya (assim se chama o ashram de Swamiji). Lá chegando ficou deslumbrada porque todas as paredes internas, o quarto onde ficavam os estudantes e os salões de aula eram pintados na cor Rosa. Ela não titubeou em afirmar que certamente um homem sábio como Swamiji deveria ser um profundo conhecedor de Cromoterapia e por isso tinha mandado pintar todo o seu ashram com a cor rosa. Ela começou aí a enumerar uma série de vantagens desta cor para promover a paz e a tranqüilidade naquele ambiente que era dedicado inteiramente ao estudo de Vedanta (O conhecimento do Ser).
Ela participou à noitinha de uma palestra do mestre que achou maravilhosa, nos informou que ele possui uma voz potente e vibrante e que consegue penetrar nos nossos corações, remover as nossas dúvidas e nos motivar no caminho do autoconhecimento, aí colocou na eletrola um disco gravado pelo Swami Chinmayananda que se chama Bhaja Govinda para ouvirmos. Colocou a capa do disco com o retrato de Swamiji de frente para nós, fechamos os olhos e escutamos em silêncio. A voz dele era realmente poderosa e penetrava profundamente no âmago do nosso ser. Foi uma experiência inesquecível que certamente nos ajudou a dar um rumo às nossas vidas.
Despedimos-nos de Sushila e rumamos em silêncio para nossas casas, cada um com seus próprios pensamentos, no final só restou da turma Savitri e eu que morávamos mais longe. Seguimos em frente, e eu tomei a iniciativa de falar e dizer que tinha gostado muito das informações e mais ainda de ter tido a possibilidade de escutar aquele que, embora não o conhecesse pessoalmente, sentia ser um grande mestre. Conversando chegamos à conclusão que, se os nossos pais deixassem, seria interessante podermos pintar a nossa casa de rosa, pois certamente essa era a cor que poderia nos ajudar a acalmar as nossas mentes e propiciar a aprendizagem do conhecimento contido nos Vedas.
Fomos dormir com aqueles pensamentos e no meu íntimo um forte desejo de ir a Mumbai conhecer Swamiji e participar daquele ambiente coberto de OM, Shanti, Prema. (Luz, Paz e Amor).
Conversando com meu pai sobre a reunião que tivemos com Sushila e como tinha ficado impressionado com as informações recebidas, meu pai lembrou-se de que tinha um amigo que era discípulo de Swamiji. Iria falar com ele para tentar ver se poderia nos receber para conversarmos um pouco sobre o mestre e sua obra.
Dias depois fomos recebidos pelo amigo do meu pai que ficou impressionado como eu, ainda adolescente, me interessava por assuntos filosóficos. Certamente o Mestre, de alguma forma, tinha me tocado através do seu retrato ou através de sua apaixonante e vibrante voz, como tinha ocorrido com ele.
Começou a falar da vida de Swami Chinmayananda, seus estudos, seus mestres e da importância que ele tinha por ter disseminado o conhecimento de Vedanta, de uma forma tradicional, até para pessoas estranhas à nossa cultura, que eram estudantes ocidentais.
Na época o estudo de Vedanta era muito tradicional e só era possível para pessoas que possuíssem um profundo conhecimento de Sânscrito.
O amigo de meu pai nos contou então a seguinte história:
“Swamiji teve um problema cardíaco um pouco antes de viajar para os Estados Unidos e os médicos não recomendavam que tal viagem fosse realizada. Por esse motivo Swamiji pediu ao Swami Dayananda para substituí-lo na viagem e ele ficaria encarregado, nesse período, de ministrar as aulas para os estudantes do Sandipani Sadhanalaya. Assim foi feito.
Era verão, estava muito quente em Mumbai, nesta época estava em visita ao ashram uma devota de Swamiji que morava em Uttar Pradesch (região do Himalaia), ela tinha ficado muito preocupada com a saúde e o bem estar dele. Numa noite quando Swamiji estava acabando de falar para os alunos, a senhora pediu licença a todos e convidou-o para passar uns dias em Uttar Pradesch enumerando as vantagens que seria ir repousar num lugar de temperatura amena e sem a poluição de Mumbai. Certamente ele se recuperaria com mais rapidez e estaria de volta para dar continuidade às aulas prontamente.
O Mestre agradeceu, mas lembrou a todos que tinha assumido um compromisso com seus filhos, como ele chamava os seus alunos, de continuar o curso na ausência do Swami Dayananda, que já tinha viajado para os Estados Unidos.
A senhora então perguntou: E se seus filhos também foram?
Swamiji não teve mais como dizer não e aceitou o convite.
Swamiji e a devota seguiram de avião. Antes de partir, ela acionou seus assessores que providenciaram junto à estrada de ferro o aluguel de um vagão e a alimentação para os estudantes em todo o percurso. Ao chegarem a Nova Deli, onde deveria haver uma espera longa para troca de trens, foi servido na própria estação um banquete somente de comidas Sattvicas para os alunos. Nesse ínterim, o Mestre já tinha sido acomodado e a casa transformada em um pequeno ashram com a compra de camas, cobertores etc para o recebimento de todos.
A chegada dos alunos foi comemorada com uma pequena festa. Swamiji se dirigiu a todos perguntando se tinham sido bem alimentados e, em uníssono, todos afirmaram que sim.
O grupo permaneceu, até o final do verão, quando então voltou para Mumbai e continuou seus estudos.”
Fiquei maravilhado com a história e pude sentir o carinho que aquele homem sentia pelo seu mestre, seus olhos brilhavam e muitas vezes sua voz ficava embargada pela emoção. O tempo passou e não sentimos. À saída, lembrei da cor rosa e não resisti de perguntar-lhe:
Senhor, soube que Swamiji, profundo conhecedor de Cromoterapia (pelo menos era o que eu pensava), pintou o ashram todo com essa cor tão auspiciosa “Rosa”. O Senhor poderia me informar o porquê?
Ele deu um breve sorriso e disse: Meu filho, o Mestre tem um discípulo comerciante que vende tintas e, vendo que o ashram precisava de pintura, ofereceu uma partida de latas de tinta rosa que não tinham sido vendidas. Swamiji prontamente aceitou o presente e mandou pintar todo o ashram de rosa.
Não pude conter a surpresa e por que não dizer, o riso. Meu quarto continuou amarelinho como sempre foi.

fim

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

ANÔNIMO - OS SETE SÁBIOS CEGOS - CONTO POPULAR HINDU

Os sete sábios cegos: Conto Hindu
ANÔNIMO


Numa cidade da Índia viviam sete sábios cegos.
Como seus conselhos eram sempre excelentes, todas as pessoas que tinham problemas os consultavam.
Embora fossem amigos, havia uma certa rivalidade entre eles que, de vez em quando, discutiam sobre o qual seria o mais sábio.
Certa noite, depois de muito conversarem acerca da verdade da vida e não chegarem a um acordo, o sétimo sábio ficou tão aborrecido que resolveu ir morar sozinho numa caverna da montanha. Disse aos companheiros:
- Somos cegos para que possamos ouvir e compreender melhor do que as outras pessoas a verdade da vida. E, em vez de aconselhar os necessitados, vocês ficam aí brigando como se quisessem ganhar uma competição. Não agüento mais! Vou-me embora.
No dia seguinte, chegou à cidade um comerciante montado num elefante imenso. Os cegos jamais haviam tocado nesse animal e correram para a rua ao encontro dele. O primeiro sábio apalpou a barriga do animal e declarou:
- Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar os seus músculos e eles não se movem; parecem paredes...
- Que bobagem! - disse o segundo sábio, tocando na presa do elefante. - Este animal é pontudo como uma lança, uma arma de guerra...
- Ambos se enganam - retrucou o terceiro sábio, que apertava a tromba do elefante. – Este animal é idêntico a uma serpente! Mas não morde, porque não tem dentes na boca.
É uma cobra mansa e macia...
- Vocês estão totalmente alucinados! - gritou o quinto sábio, que mexia as orelhas do elefante. - Este animal não se parece com nenhum outro. Seus movimentos sãoondeantes, como se seu corpo fosse uma enorme cortina ambulante...
- Vejam só! - Todos vocês, mas todos mesmos, estão completamente errados! – irritou-se o sexto sábio, tocando a pequena cauda do elefante. - Este animal é como uma rocha com uma cordinha presa no corpo. Posso até me pendurar nele.
E assim ficaram horas debatendo, aos gritos, os seis sábios. Até que o sétimo sábio cego, o que agora habitava a montanha, apareceu conduzido por uma criança.
Ouvindo a discussão, pediu ao menino que desenhasse no chão a figura do elefante. Quando tateou os contornos do desenho, percebeu que todos os sábios estavam certos e enganados ao mesmo tempo. Agradeceu ao menino e afirmou:

- Assim os homens se comportam diante da verdade. Pegam apenas uma parte, pensam que é o todo, e continuam tolos...!