O CÃO PRETO
ANÔNIMO
(conto indiano)
(conto indiano)
Margaret
Read MacDonald
Peace Tales
Arkansas, August House Publishers, Inc., 2005
Peace Tales
Arkansas, August House Publishers, Inc., 2005
Shakra,
rei dos deuses, ergueu-se do seu trono dourado e observou a Terra com atenção.
Havia oceanos reluzentes e nuvens como pérolas, montanhas com cumes de neve e
continentes de muitas cores. Embora tudo fosse belo, Shakra sentiu uma certa
apreensão.
Os seus
sentidos luminosos expandiram-se pelos céus. Sentiu o calor da guerra. Ouviu o
balir dos vitelos, o ladrar dos cães, o grasnar dos corvos. Ouviu crianças a
chorarem e vozes a gritarem de raiva. Ouviu o choro dos esfomeados, dos sós,
dos pobres. As lágrimas rolaram-lhe pela cara abaixo e caíram sobre a terra
como aguaceiros de meteoros.
Metamorfoseou-se
num guarda-florestal e levou consigo um grande arco em osso. A seu lado
caminhava um grande cão preto. O pelo do cão era emaranhado, os olhos brilhavam
como fogo incandescente, os dentes mais pareciam presas, e a boca e língua
pendente eram da cor do sangue.
Shakra
e o cão deram um salto e mergulharam em direcção à Terra por entre as estrelas
brilhantes. Por fim, aterraram mesmo ao lado de uma cidade esplêndida.
—
Quem és tu, forasteiro? — perguntou, admirado, um soldado, do alto das muralhas
da cidade.
— Sou
estrangeiro nestas paragens e este — disse, apontando o animal com um gesto — é
o meu cão.
O cão
preto abriu as mandíbulas. O soldado que estava de guarda às muralhas ficou
aterrado. Foi como se estivesse a olhar para um enorme caldeirão de fogo e de
sangue. A garganta do cão emanava fumo. As mandíbulas do cão abriram-se ainda
mais e mais…
—
Fechem os portões! — ordenou o soldado. — Fechem-nos imediatamente!
Mas
Shakra e o cão conseguiram saltar os portões cerrados. Os habitantes da cidade
fugiram em todas as direcções, como se fossem marés a subir ao longo de uma
praia. O cão foi no seu encalço, juntando as pessoas como se fossem um rebanho
de ovelhas. Homens, mulheres e crianças gritavam, aterrorizados.
—
Parem! — gritou Shakra. — Não se mexam!
As
pessoas imobilizaram-se.
— O
meu cão tem fome. O meu cão tem de ser alimentado.
O rei
da cidade, a tremer de medo, ordenou:
—
Rápido! Tragam comida para o cão! Imediatamente!
Em
breve, carroças chegavam ao mercado carregadas de carne, pão, milho, frutos e
cereais. O cão engoliu tudo de uma só vez.
— O
meu cão precisa de mais comida! — exclamou Shakra.
As
carroças voltaram de novo, carregadas. E o cão voltou a devorar tudo de uma
assentada. Depois soltou um grito de angústia, um grito que parecia emanar das
profundezas do Inferno.
As
pessoas caíram por terra e taparam os ouvidos, aterradas. Shakra, o forasteiro,
fez soar a corda do seu arco, que fez um ruído semelhante ao ribombar do trovão
numa noite de tempestade.
O rei
contorceu as mãos e pôs--se a chorar.
— Já
lhe demos tudo o que tínhamos. Não temos mais!
—
Sendo assim, o meu cão alimentar-se-á de pastos e montanhas, de pássaros e
animais ferozes. Devorará as rochas e mastigará o sol e a lua. O meu cão
alimentar-se-á de vós!
—
Não! — gritaram as pessoas. — Tem misericórdia de nós! Rogamos-te que nos
poupes! Poupa o nosso mundo!
—
Então acabem com a guerra — disse Shakra. Alimentem os pobres. Cuidem dos
doentes, dos sem-abrigo, dos órfãos, dos velhos. Ensinem a bondade e a coragem
às vossas crianças. Respeitem a terra e todas as suas criaturas. Só assim
açaimarei o meu cão.
Shakra transformou-se num gigante, resplandecente de luz. Ele e o cão deram um salto
e, numa espiral de fumo, subiram cada vez mais alto.
Lá em
baixo, nas ruas da cidade, homens e mulheres olhavam o céu consternados.
Estenderam as mãos uns para os outros e prometeram mudar as suas vidas, fazer o
que o forasteiro lhes tinha ordenado que fizessem.
Bem
lá de cima, Shakra sorriu no seu trono dourado, ao olhar para a terra. Limpou a
testa com um braço resplandecente. As
inúmeras estrelas cintilavam, fulgentes, e a escuridão dormitava entre elas,
tal como um cão junto de uma fogueira.
0 comentários:
Postar um comentário