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domingo, 2 de novembro de 2014

SONHADOR DOS CÉUS - ÓDIO HUMANO

               ÓDIO HUMANO
                                                                       SONHADOR DOS CÉUS
                                           ENVIADO POR SONHADOR DOS CÉUS 
                                                                        EM 02/11/2014
                                                       CÓDIGO DO TEXTO: T5020082
        Faço esse relato não mais do que por puro egoísmo, pois já não aguento mais não poder compartilhar com outro o que passei naquela noite de horror. Sei que muitos julgarão inconsequente a minha atitude, pois quem quer que tome conhecimento dos horrores que aqui transcrevo jamais será o mesmo, mas já não importa mais para mim. Ciente das consequências, prefiro o risco de uma retaliação ao medo que me consome dia após dia. Temo acima de tudo pela minha saúde mental, agora que qualquer resquício de normalidade em minha vida se esvaiu, de forma que preciso simplesmente desabafar, antes que eu perca finalmente a sanidade.
         Aconteceu em meados de fevereiro, numa noite parcialmente nublada. Aquelas nuvens cinzentas formavam inúmeros desenhos amorfos no céu, que se esparramavam preguiçosamente pelo ar. Voltava para casa depois de uma volta pelo belo bairro do Grajaú, onde eu morava. A lua estava alta no céu, e em todo o meu trajeto até casa pude vê-la muito bem, inclusive identifiquei também Marte à esquerda e um pouco acima do satélite; tanto o planeta quanto a Lua encontravam-se em Virgem, que por sua vez destacava-se claramente dada a visibilidade de Spica, a estrela mais brilhante da constelação. Juntos, os três astros formavam um curioso triângulo no céu — azul, barro e amarelo eram as cores — e exerciam em mim um sentimento singular de perplexidade, certamente um presságio do que aconteceria a seguir. Pouco antes de chegar a casa, fui acordado do meu transe cósmico  quando captei de relance um movimento à minha esquerda, do outro lado da rua, a uns cinquenta metros de distância. À sombra das copiosas árvores, lobriguei a silhueta esguia de um homem, que coxeava em minha direção.
        A menos de dez metros da minha casa — um sobrado da década de setenta na Rua Araxá, pouco depois da travessa homônima — o homem atravessou a rua em minha direção e inesperadamente me pediu informações, pois que eu já esperava qualquer abordagem, menos aquela — são tempos perigosos no Grajaú. Respondi-lhe e me preparava para completar meu caminho, não mais que vintes passos até minha casa agora, até que quando eu já apontava no portão o homem me chamou, pelo nome, e pediu para que eu o acompanhasse. De súbito eu não compreendi, tampouco senti medo algum, apenas curiosidade quando discerni o pedido do homem e sua inusitada abordagem; suas roupas ou suas feições não me incitaram nenhum tipo de defesa espontânea afinal; imaginei ser talvez um velho amigo de meu pai, ou pai de um amigo do bairro. De um modo ou de outro, não vi porque não falar com ele, e concordamos quanto a ir a uma lanchonete próxima sob a condição de o homem revelar sua identidade. Já passava das dez horas e eu duvidava que a visita fosse a caráter profissional, muito embora o homem de expressões vazias me parecesse ser algum tipo de caça talentos. Nesse contato ele não entrou em detalhes, me disse apenas que se chamava Marcelo, e confirmou minhas suspeitas quanto à sua ocupação, mas prometeu me contatar de novo, em breve. Tomamos um açaí enquanto o homem falava de seu projeto, de caráter ultra-secreto, segundo ele, e do perfil que ele desejava para ajudá-lo. Por algum motivo havia se interessado especificamente por mim, e passou a me fazer profusos elogios, como se me conhecesse de longa data, e então disse: “você não precisa e talvez não consiga compreender o porquê, mas o fato é que você é ideal para o trabalho.” Dada minha condição de total ociosidade naquele momento, me senti lisonjeado pelo convite e mal pude conter a felicidade. Despedimo-nos e, quando o questionei sobre uma previsão de início no trabalho, numa ansiedade quase infantil, ele limitou-se a um encrespar dos lábios que vagamente lembrava um sorriso, e terminou dizendo uma única palavra: imediatamente.
       A mudança foi rápida demais para constituir uma lembrança normal de causa-efeito sobre aquela noite. A última coisa de que me lembro foi do sorriso do homem misterioso, e disso lembro muito bem: seus dentes perfeitos muito brancos desfaleceram bem na minha frente, numa mixórdia de cores e formas psicodélicas. Quando acordei não estava mais na Rua Araxá, tampouco, achava-me em rua alguma, embora eu só tivesse tomado vaga consciência disso. A luminosidade no ambiente em que me achava agora era muito escassa, não via muita coisa. Senti que estava deitado em alguma superfície muito lisa e rígida, extremamente desconfortável. Sentei-me no meu leito duro, as pernas suspensas no ar, aparentemente não mais sob o efeito do que quer que o homem tenha me dado para dormir, e já em condições mentais de fazer conjecturas. Olhei em volta, com a visão já adaptada ao ambiente, e o que vi foi ao mesmo tempo maravilhoso e aterrorizante. Eu estava no centro de uma sala em formato esférico, com raio de uns vinte metros, que tinha as paredes num matiz de negro cósmico que com certeza não tinha relação com nenhuma tinta que eu já tenha visto. A parede era ornada com pequenos hemisférios incrustados, de diversas cores e tamanhos, que variavam de cinco centímetros a até aproximadamente meio metro de diâmetro, distribuídos por toda a superfície da parede única que formava o salão. A parede em si era muito peculiar, de uma simetria aparentemente perfeita; à primeira vista, era uma pedra habilmente polida, muito embora eu desconheça que tipo de engenharia se faria necessária para atingir tal perfeição. As semi-esferas que se espalhavam pelo negrume da parede aparentemente possuíam um brilho próprio, que emanava uma luz fosca de seu interior, a qual variava em cor e intensidade de umas para as outras. O resultado era o melhor planetário já visto, de uma vivacidade sem igual no mundo. Entre a parede e o centro do salão, onde eu me encontrava, havia apenas o chão, do mesmo tom negro infernal, que dava um efeito de descontinuidade nos cantos do salão, dando-me a impressão de que bem abaixo de mim não estava o chão, mas sim o nada. Olhei para baixo, e descobri que a superfície na qual eu estava sentado era na verdade uma mesa de aço robusto. Notei em seguida — o que me causou extremo terror — que havia ainda cadeiras ao lado da mesa que me serviu de leito. Eram três cadeiras de madeira, sem ornamentos e simples. Fui tomado então por um sentimento de cautela, com auspícios de revelações inimagináveis; uma sensação sem igual de descobrimento inundava-me. Como que em resposta a ela, todo o salão à minha volta começou a se alterar: de um orifício recém aberto no zênite do saguão, quase exatamente acima de mim, vi surgir uma  imensa esfera  de  luz, que  brilhava  como  uma  super--nova e iluminava o ambiente inteiro, ofuscando completamente minha visão. Passados alguns segundos, ela desceu flutuando a meia altura do chão, o seu brilho recuou, e então a esfera, tendo não menos que um metro de diâmetro, explodiu, dispersando fragmentos de si por toda a parte do salão, num fenômeno pirotécnico espetacular e poli-cromático. Após a explosão, que deixou para trás um núcleo bem menor que o anterior, o salão agora era formado não só pela parede de pedra laborada, mas também pelas miríades de fragmentos expulsos pela esfera gigante, que assumiram por sua vez variegados aspectos físicos, e agora flutuavam e cintilavam pelo vasto salão. O resultado final era nada senão uma representação perfeita do cosmos — após raro cataclismo estelar — em algum ermo recanto do universo. Finalmente fui capaz de levantar e comecei a andar em volta da mesa, e foi quando percebi que a explosão havia afetado também o chão do salão. Reparei que os fragmentos da esfera ocupavam agora um lugar no interior do chão, assim como aquelas que jaziam suspensas no ar, de diversas formas e brilhos e matizes dos mais insólitos. Pairavam ali abaixo de mim, e emanavam a mesma luz fosca. E foi nesse momento que eu tive a real dimensão da complexidade tecnológica implícita na visão que me cercava, dificilmente seria humana. Em cada detalhe — assustado — eu via mais perfeição. A verdade é que não mais se via um chão; eu mais parecia flutuar sobre o cosmos na vastidão do salão do que de fato andar. Voltei a olhar na direção da mesa, que não deixava de ser uma visão etérea, crua, naquele ambiente tão complexo, e passei a estudar a esfera que havia dado início a tudo. Próximo a ela havia uns objetos que se destacavam, numa formação familiar, planetária, com os astros pairando aproximadamente num mesmo plano e orbitando suavemente a esfera de luz remanescente — e foi nesse momento que tive certeza de que não era humana a tecnologia ali presente. Senti mais forte do que nunca o presságio absurdo, porém quase palpável, de revelações milenares e inumanas. Com o conhecimento que ostentava à época, inferi que fora contemplado com a visão do momento da formação de um singular sistema planetário, de ordem secundária, o qual apenas se formou após a explosão de uma velha estrela massiva, ficando como reminiscência uma anã branca, um tipo de estrela em fase avançada de evolução, e vários futuros planetas em sua órbita. Certamente, em algum desses planetas, milhões e milhões de anos depois, se formaria vida, e vida inteligente; apavorantemente inteligente, e que agora se comunicava comigo.
     Pensei no homem que me abordara, Marcelo — quem seria aquele infeliz? — e em como os demônios podiam ter os nomes mais banais, como Marcelo. Voltava minha atenção para as cadeiras de madeira agora. Elas continuavam inertes e etéreas sob a extensa mesa. Sem saber o que fazer, preso naquele ambiente, sem saber o porquê de eu estar ali, fiz a única coisa que me veio à mente: puxei uma cadeira e sentei. O medo em mim era patente, uma sensação sem precedentes e indescritível. Lembro que minhas mãos suavam a ponto de pingar, as pernas trêmulas ocultas pela mesa pareciam ter vida própria e balançavam freneticamente, como uma criança com frio. Meu corpo todo estava absurdamente suado, apesar da temperatura agradável que na verdade só contribuía para o meu total terror. O silêncio ali era ensurdecedor. Reinava apenas aquele sibilo distante, que eu sabia na verdade estar imaginando, característico de ambientes muito silenciosos, como se um maquinário discreto funcionasse nas entranhas do salão. Quando eu quase consegui distinguir — ou imaginar — efetivamente algum som, meu medo tornou-se tão palpável que eu o sentia arder em todo o corpo. Havia chegado o momento da revelação.
       Num dos cantos do salão, abria-se repentinamente uma porta e nesse momento tive certeza de que afinal existia um maquinário, pois eu pude ouvir seu acionamento. Era uma porta dupla, côncava, que acompanhava o desenho da parede perfeitamente. Quando se abriu totalmente, iluminando o ambiente lúgubre com uma luz branca e forte; formou-se uma fenda na parede única do salão, e então, logo pude ver duas sombras que assomavam lado a lado por entre a fenda. Avançavam em minha direção pelo salão. Seria inútil tentar aqui traduzir em palavras meu interior (estraçalhado) naquele momento, portanto, abstenho-me de fazê-lo. As figuras aproximavam-se lentamente, enquanto eu olhava incrédulo, incapaz de um único movimento; incapaz inclusive de respirar. Foi quando, sem dúvida por pura misericórdia daqueles, fui inundado por uma imensa tranquilidade. Abruptamente, me descobri sereno àquilo tudo; impávido acima de tudo, destemido e corajoso frente ao desconhecido. Tempos depois pude refletir, e concluí que certamente havia alguma droga associada a essa minha repentina mudança de atitude; certo enlevo da alma, porque foi com naturalidade que vi os seres coxeando em minha direção, até que se sentaram comigo à mesa, para o meu desespero. Cada detalhe, assim como as palavras exatas da palestra que se seguiu são inexplicáveis, foram gravadas na minha mente — vil castigo — como que se feitas a tinta; trato aqui apenas de passá-la ao papel:
         — Ouve-me, terráqueo? — perguntou a criatura que estava à direita, sem mexer um músculo.
         — Sim! Ouço-te muito bem... — pensei, resignado, mas não cheguei a dizer; não era preciso, comunicavam-se comigo por telepatia.
         Eram humanóides, de cerca de um metro e meio, pele escura e úmida, boca tênue e pequena. O nariz eram duas cavidades, assim como os ouvidos; não tinham cabelo, e nenhum pelo à vista, e os músculos pareciam-me firmes; braços curtos e fortes. Tinham quatro dedos em cada mão, sendo um o polegar opositor. Em verdade, eram criaturas análogas a nós, mas uma visão delas não poderia ser jamais chamada de normal. Os olhos eram a maior diferença: inertes, lustrosos, grandes, mortos. Nada se podia extrair daqueles olhos, nenhum sentimento; nunca diziam nada. Não tinham pálpebras, e assim eu era obrigado a encarar aqueles olhos inumanos de frente enquanto falavam na minha mente, naquele tom de pensamento, de indagação, ou mesmo de consciência. As vozes eram graves e tremidas, arrastadas, mas ainda assim perfeitamente inteligíveis; vozes de demônio, que chegavam a mim pela mente, mas ressoavam alto nos ouvidos. Eu não precisava falar-lhes, pois eles entendiam meu pensamento e assim apontavam o caminho da palestra.
      — Olvido...palavra interessante esta tua, mas creio que refira-se ao ouvido, esse que tu usas para ouvir. Vives no esquecimento, pobre mortal, vives na santa ignorância. — falou--me a criatura que sentava à direita. Ambas estavam sentadas do outro lado da mesa, de frente para mim.
    — Compreendes que tua língua, complexa aos cérebros humanos, é nada mais que nada para nós, terráqueo? — indagou a segunda criatura, à esquerda, numa voz ainda mais grotesca que a primeira
       — Lemo-la em tua mente, e embora teu entendimento dela seja frouxo, basta para que a dominemos. Cada mistério do universo, para nós é cliché, terráqueo; nossos olhos mortos e lustrosos enxergam além da vida, porque são divinos. Transformamo-nos no divino. — completou a da direita, e disse para chamar-lhe de Cammah. A outra se apresentou apenas como D.
     — Pergunta-se como chegamos até aqui, atravessando a imensidão do cosmos, e o que queremos de ti afinal. Tenha calma, pois se por um deslize deixemos que vejas demais, talvez tu não suportes esse saber. Urgente agora é tu te ajoelhares, entenderes nossa grandeza, e assumires a tua mediocridade. Teus cientistas postulam ainda sobre mecânica clássica; gozam de escassa sabedoria relativística. Nós distorcemos o espaço-tempo ao nosso bel prazer, e isso faz de nós o que somos: imortais e atemporais. — disse Cammah.
       — Onde houver um oásis de vida; nesse imenso mar de estrelas desertas uma ilha próspera, lá estaremos. Somos a verdadeira raça onipresente. — emendou D.
          A criatura que se chamava Cammah entrelaçou os dedos das mãos e pousou-as sobre a mesa, num gesto bastante humano, o que de certa forma me tranquilizou, e então seguiu com sua retórica.
         — Ponderas o sentido de nossa vinda a tua terra, tão longe da nossa; pois bem, viemos a vós porque somos criaturas inteligentes, amamos o saber; temo-lo como vício. Nossa sede de conhecimento é tal que despendemos de grande esforço para compreender tudo aquilo que podemos do universo, e é bem verdade, que vosso planeta é rico em recursos, e mais rico ainda de vida. A vida na Terra existe em cada metro, em cada báratro, nos céus ou nos oceanos, e queremos conhecê-la. — Explicou D.
         — Tu serás o nosso embaixador na Terra, Pedro, nos ajudarás nessa que é mais uma entre a infinidade de nossas empreitadas pelo cosmos. Queremos entender como a tua raça se organiza politicamente, suas relações sociais; não menos os seus ópios. — Concluiu D.
       Aqui eu já era capaz de ler alguma substância nas entrelinhas da palestra, e comecei a usar de alguma inteligência; ouvir meu nome em minha própria mente teve uma influência direta nas minhas interpretações, como se o som do meu nome tivesse enfim despertado a minha consciência, que até então era esmagada pelas vozes colossais. Em poucos segundos de reflexão, fui capaz de concluir que a telepatia era uma avenida larga, tão larga quanto se quisesse; e de mão dupla. Percebi que havia ali mesmo uma hierarquia, entre as duas criaturas, onde o senhor D. era de alguma forma um ser superior, e também que vinham de uma pequena estrela, a anã branca dupla de Sirius, a estrela mais brilhante de nosso céu noturno; e que aquele salão era a representação do céu noturno deles. Tudo isso roubado da mente de Cammah. O tempo ia passando naquele salão, e a sombra do entendimento ia pairando sobre mim, cada vez mais densa. Seguiu-se um período curto de silêncio entre as mentes, quebrado pelo senhor D.
       — Aprendes rápido, terráqueo, tua inteligência é infinitamente inferior, mas é ainda alguma. Farás como eu disse, seguirás nossas orientações. Viremos visitar-te em breve, para coletar o pouco que queremos de ti neste primeiro contato. Haverão outros, naturalmente, e seu mensageiro será Cammah; tu deverás te reportar a ele, e somente a ele. E cuida que o tempo para ti é curto, jamais infinito...
     E foram essas as últimas palavras que ouvi do senhor D. Cansei-me daquelas criaturas. Diziam-se soberanas, senhores do universo, mas a arrogância transbordava dos seus olhos inertes; uma arrogância imunda de quem beira o divino. Queriam o saber, tinham sede de saber, ao menos era isso que diziam, mas eu nunca acreditei. Aquela conversa era tempestuosa; as informações que eu tinha eram voláteis como clorofórmio, e tão tóxicas quanto. Diziam-se admirados pela abundância de vida na terra, mas me tratavam como lixo, e aqueles olhos... eu não pude mais suportar! E então finalmente falei, e se alguém nesta terra algum dia teve iluminada perspicácia  no  discurso,  esse alguém fui eu, ali naquele salão-cos -mo.  Falei pela boca, pois já estava farto do dizer sem palavras daqueles homenzinhos estrambóticos das estrelas.
        — Meus caros seres extraterrenos, entendo que são nobres as suas motivações, mas creio que escolheram o homem errado para o que desejam, e se tinham alguma chance de êxito com este que vos fala, vossa arrogância tratou de dissolvê-la. Dizeis de beleza e de abundância da vida, mas não vejo poesia em seus pensamentos, e só vejo frieza em vossos semblantes. Dizeis estar acima do espaço, acima do tempo, e acima mesmo da morte, verdade esta a única absoluta entre os homens; mas não é bem o que vejo. Vejo quatro membros e uma cabeça, vejo duas mãos, as quais possuem veias; posso vê-las serpenteando em teu dorso úmido, e assim imaginar um coração pulsando nessas vossas entranhas. Se eu tivesse aqui comigo um punhal, trataria de cravá-lo no teu peito, senhor D., para ver escorrer de ti algum sangue — ainda que não seja vermelho — descendo por essa tua pele cinza, depois pingando no chão, e por fim ver esvair-se de ti a vida que tanto dizes ser eterna. — Disse isso olhando para aqueles olhos negros do senhor D., e logo depois dei um soco na mesa com toda a minha força, e estou certo de que o que pude ler na mente dos dois foi medo. Sim, medo.
      Todo o derredor então se dissolveu, e eu desfaleci, para acordar na minha cama de volta ao Grajaú. Por muitas vezes pensei que minha atitude foi demasiado tresloucada, mas foi o que pude fazer naquele momento. E afinal, talvez tivesse sido tudo um mau sonho. Mas as lembranças eram muito claras... Malditos seres das estrelas, mostraram-me suas facetas de arrogância; dei-lhes uma amostra do ódio humano.

fim

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