ÓDIO HUMANO
SONHADOR DOS CÉUS
ENVIADO POR SONHADOR DOS CÉUS
SONHADOR DOS CÉUS
ENVIADO POR SONHADOR DOS CÉUS
EM
02/11/2014
CÓDIGO DO TEXTO: T5020082
CÓDIGO DO TEXTO: T5020082
Faço
esse relato não mais do que por puro egoísmo, pois já não aguento mais não
poder compartilhar com outro o que passei naquela noite de horror. Sei que
muitos julgarão inconsequente a minha atitude, pois quem quer que tome
conhecimento dos horrores que aqui transcrevo jamais será o mesmo, mas já não
importa mais para mim. Ciente das consequências, prefiro o risco de uma
retaliação ao medo que me consome dia após dia. Temo acima de tudo pela minha
saúde mental, agora que qualquer resquício de normalidade em minha vida se
esvaiu, de forma que preciso simplesmente desabafar, antes que eu perca
finalmente a sanidade.
Aconteceu
em meados de fevereiro, numa noite parcialmente nublada. Aquelas nuvens
cinzentas formavam inúmeros desenhos amorfos no céu, que se esparramavam
preguiçosamente pelo ar. Voltava para casa depois
de uma volta pelo belo bairro do Grajaú, onde eu morava. A lua estava alta no
céu, e em todo o meu trajeto até casa pude
vê-la muito bem, inclusive identifiquei também Marte à esquerda e um pouco
acima do satélite; tanto o planeta quanto a Lua encontravam-se em Virgem, que
por sua vez destacava-se claramente dada a visibilidade de Spica, a estrela
mais brilhante da constelação. Juntos, os três astros formavam um curioso
triângulo no céu — azul, barro e amarelo eram as cores — e exerciam em mim um
sentimento singular de perplexidade, certamente um presságio do que aconteceria
a seguir. Pouco antes de chegar a casa, fui acordado do meu transe cósmico
quando captei de relance um movimento à minha esquerda, do outro lado da
rua, a uns cinquenta metros de distância. À sombra das copiosas árvores,
lobriguei a silhueta esguia de um homem, que coxeava em minha direção.
A
menos de dez metros da minha casa — um sobrado da década de setenta na Rua
Araxá, pouco depois da travessa homônima — o homem atravessou a rua em minha
direção e inesperadamente me pediu informações, pois que eu já esperava
qualquer abordagem, menos aquela — são tempos perigosos no Grajaú. Respondi-lhe
e me preparava para completar meu caminho, não mais que vintes passos até minha
casa agora, até que quando eu já apontava no portão o homem me chamou, pelo
nome, e pediu para que eu o acompanhasse. De súbito eu não compreendi, tampouco
senti medo algum, apenas curiosidade quando discerni o pedido do homem e sua
inusitada abordagem; suas roupas ou suas feições não me incitaram nenhum tipo
de defesa espontânea afinal; imaginei ser talvez um velho amigo de meu pai, ou
pai de um amigo do bairro. De um modo ou de outro, não vi porque não falar com
ele, e concordamos quanto a ir a uma lanchonete próxima sob a condição de o
homem revelar sua identidade. Já passava das dez horas e eu duvidava que a
visita fosse a caráter profissional, muito embora o homem de expressões vazias
me parecesse ser algum tipo de caça talentos. Nesse contato ele não entrou em
detalhes, me disse apenas que se chamava Marcelo, e confirmou minhas suspeitas
quanto à sua ocupação, mas prometeu me contatar de novo, em breve. Tomamos um
açaí enquanto o homem falava de seu projeto, de caráter ultra-secreto, segundo ele,
e do perfil que ele desejava para ajudá-lo. Por algum motivo havia se
interessado especificamente por mim, e passou a me fazer profusos elogios, como
se me conhecesse de longa data, e então disse: “você não precisa e talvez não
consiga compreender o porquê, mas o fato é que você é ideal para o trabalho.”
Dada minha condição de total ociosidade naquele momento, me senti lisonjeado
pelo convite e mal pude conter a felicidade. Despedimo-nos e, quando o
questionei sobre uma previsão de início no trabalho, numa ansiedade quase
infantil, ele limitou-se a um encrespar dos lábios que vagamente lembrava um
sorriso, e terminou dizendo uma única palavra: imediatamente.
A
mudança foi rápida demais para constituir uma lembrança normal de causa-efeito
sobre aquela noite. A última coisa de que me lembro foi do sorriso do homem
misterioso, e disso lembro muito bem: seus dentes perfeitos muito brancos
desfaleceram bem na minha frente, numa mixórdia de cores e formas psicodélicas.
Quando acordei não estava mais na Rua Araxá, tampouco, achava-me em rua alguma,
embora eu só tivesse tomado vaga consciência disso. A luminosidade no ambiente
em que me achava agora era muito escassa, não via muita coisa. Senti que estava
deitado em alguma superfície muito lisa e rígida, extremamente desconfortável.
Sentei-me no meu leito duro, as pernas suspensas no ar, aparentemente não mais
sob o efeito do que quer que o homem tenha me dado para dormir, e já em
condições mentais de fazer conjecturas. Olhei em volta, com a visão já adaptada
ao ambiente, e o que vi foi ao mesmo tempo maravilhoso e aterrorizante. Eu
estava no centro de uma sala em formato esférico, com raio de uns vinte metros,
que tinha as paredes num matiz de negro cósmico que com certeza não tinha
relação com nenhuma tinta que eu já tenha visto. A parede era ornada com
pequenos hemisférios incrustados, de diversas cores e tamanhos, que variavam de
cinco centímetros a até aproximadamente meio metro de diâmetro, distribuídos
por toda a superfície da parede única que formava o salão. A parede em si era
muito peculiar, de uma simetria aparentemente perfeita; à primeira vista, era
uma pedra habilmente polida, muito embora eu desconheça que tipo de engenharia
se faria necessária para atingir tal perfeição. As semi-esferas que se
espalhavam pelo negrume da parede aparentemente possuíam um brilho próprio, que
emanava uma luz fosca de seu interior, a qual variava em cor e intensidade de
umas para as outras. O resultado era o melhor planetário já visto, de uma
vivacidade sem igual no mundo. Entre a parede e o centro do salão, onde eu me
encontrava, havia apenas o chão, do mesmo tom negro infernal, que dava um
efeito de descontinuidade nos cantos do salão, dando-me a impressão de que bem
abaixo de mim não estava o chão, mas sim o nada. Olhei para baixo, e descobri
que a superfície na qual eu estava sentado era na verdade uma mesa de aço
robusto. Notei em seguida — o que me causou extremo terror — que havia ainda
cadeiras ao lado da mesa que me serviu de leito. Eram três cadeiras de madeira,
sem ornamentos e simples. Fui tomado então por um sentimento de cautela, com
auspícios de revelações inimagináveis; uma sensação sem igual de descobrimento
inundava-me. Como que em resposta a ela, todo o salão à minha volta começou a
se alterar: de um orifício recém aberto no zênite do saguão, quase exatamente
acima de mim, vi surgir uma imensa
esfera de luz, que brilhava como uma super--nova e iluminava o ambiente
inteiro, ofuscando completamente minha visão. Passados alguns segundos, ela desceu
flutuando a meia altura do chão, o seu brilho recuou, e então a esfera, tendo
não menos que um metro de diâmetro, explodiu, dispersando fragmentos de si por
toda a parte do salão, num fenômeno pirotécnico espetacular e poli-cromático.
Após a explosão, que deixou para trás um núcleo bem menor que o anterior, o
salão agora era formado não só pela parede de pedra laborada, mas também pelas
miríades de fragmentos expulsos pela esfera gigante, que assumiram por sua vez
variegados aspectos físicos, e agora flutuavam e cintilavam pelo vasto salão. O
resultado final era nada senão uma representação perfeita do cosmos — após raro
cataclismo estelar — em algum ermo recanto do universo. Finalmente fui capaz de
levantar e comecei a andar em volta da mesa, e foi quando percebi que a explosão
havia afetado também o chão do salão. Reparei que os fragmentos da esfera
ocupavam agora um lugar no interior do chão, assim como aquelas que jaziam
suspensas no ar, de diversas formas e brilhos e matizes dos mais insólitos.
Pairavam ali abaixo de mim, e emanavam a mesma luz fosca. E foi nesse momento
que eu tive a real dimensão da complexidade tecnológica implícita na visão que
me cercava, dificilmente seria humana. Em cada detalhe — assustado — eu via
mais perfeição. A verdade é que não mais se via um chão; eu mais parecia
flutuar sobre o cosmos na vastidão do salão do que de fato andar. Voltei a
olhar na direção da mesa, que não deixava de ser uma visão etérea, crua,
naquele ambiente tão complexo, e passei a estudar a esfera que havia dado início
a tudo. Próximo a ela havia uns objetos que se destacavam, numa formação
familiar, planetária, com os astros pairando aproximadamente num mesmo plano e
orbitando suavemente a esfera de luz remanescente — e foi nesse momento que
tive certeza de que não era humana a tecnologia ali presente. Senti mais forte
do que nunca o presságio absurdo, porém quase palpável, de revelações milenares
e inumanas. Com o conhecimento que ostentava à época, inferi que fora
contemplado com a visão do momento da formação de um singular sistema
planetário, de ordem secundária, o qual apenas se formou após a explosão de uma
velha estrela massiva, ficando como reminiscência uma anã branca, um tipo de
estrela em fase avançada de evolução, e vários futuros planetas em sua órbita.
Certamente, em algum desses planetas, milhões e milhões de anos depois, se
formaria vida, e vida inteligente; apavorantemente inteligente, e que agora se
comunicava comigo.
Pensei
no homem que me abordara, Marcelo — quem seria aquele infeliz? — e em como os demônios
podiam ter os nomes mais banais, como Marcelo. Voltava minha atenção para as
cadeiras de madeira agora. Elas continuavam inertes e etéreas sob a extensa
mesa. Sem saber o que fazer, preso naquele ambiente, sem saber o porquê de eu
estar ali, fiz a única coisa que me veio à mente: puxei uma cadeira e sentei. O
medo em mim era patente, uma sensação sem precedentes e indescritível. Lembro
que minhas mãos suavam a ponto de pingar, as pernas trêmulas ocultas pela mesa
pareciam ter vida própria e balançavam freneticamente, como uma criança com
frio. Meu corpo todo estava absurdamente suado, apesar da temperatura agradável
que na verdade só contribuía para o meu total terror. O silêncio ali era
ensurdecedor. Reinava apenas aquele sibilo distante, que eu sabia na verdade
estar imaginando, característico de ambientes muito silenciosos, como se um
maquinário discreto funcionasse nas entranhas do salão. Quando eu quase
consegui distinguir — ou imaginar — efetivamente algum som, meu medo tornou-se
tão palpável que eu o sentia arder em todo o corpo. Havia chegado o momento da
revelação.
Num
dos cantos do salão, abria-se repentinamente uma porta e nesse momento tive
certeza de que afinal existia um maquinário, pois eu pude ouvir seu
acionamento. Era uma porta dupla, côncava, que acompanhava o desenho da parede
perfeitamente. Quando se abriu totalmente, iluminando o ambiente lúgubre com
uma luz branca e forte; formou-se uma fenda na parede única do salão, e então, logo pude
ver duas sombras que assomavam lado a lado por entre a fenda. Avançavam em
minha direção pelo salão. Seria inútil tentar aqui traduzir em palavras meu
interior (estraçalhado) naquele momento, portanto, abstenho-me de fazê-lo. As
figuras aproximavam-se lentamente, enquanto eu olhava incrédulo, incapaz de um
único movimento; incapaz inclusive de respirar. Foi quando, sem dúvida por pura
misericórdia daqueles, fui inundado por uma imensa tranquilidade. Abruptamente,
me descobri sereno àquilo tudo; impávido acima de tudo, destemido e corajoso
frente ao desconhecido. Tempos depois pude refletir, e concluí que certamente
havia alguma droga associada a essa minha repentina mudança de atitude; certo
enlevo da alma, porque foi com naturalidade que vi os seres coxeando em minha
direção, até que se sentaram comigo à mesa, para o meu desespero. Cada detalhe,
assim como as palavras exatas da palestra que se seguiu são inexplicáveis,
foram gravadas na minha mente — vil castigo — como que se feitas a tinta; trato
aqui apenas de passá-la ao papel:
—
Ouve-me, terráqueo? — perguntou a criatura que estava à direita, sem mexer um
músculo.
—
Sim! Ouço-te muito bem... — pensei, resignado, mas não cheguei a dizer; não era
preciso, comunicavam-se comigo por telepatia.
Eram
humanóides, de cerca de um metro e meio, pele escura e úmida, boca tênue e
pequena. O nariz eram duas cavidades, assim como os ouvidos; não tinham cabelo,
e nenhum pelo à vista, e os músculos pareciam-me firmes; braços curtos e
fortes. Tinham quatro dedos em cada mão, sendo um o polegar opositor. Em
verdade, eram criaturas análogas a nós, mas uma visão delas não poderia ser
jamais chamada de normal. Os olhos eram a maior diferença: inertes, lustrosos,
grandes, mortos. Nada se podia extrair daqueles olhos, nenhum sentimento; nunca
diziam nada. Não tinham pálpebras, e assim eu era obrigado a encarar aqueles
olhos inumanos de frente enquanto falavam na minha mente, naquele tom de
pensamento, de indagação, ou mesmo de consciência. As vozes eram graves e
tremidas, arrastadas, mas ainda assim perfeitamente inteligíveis; vozes de
demônio, que chegavam a mim pela mente, mas ressoavam alto nos ouvidos. Eu não
precisava falar-lhes, pois eles entendiam meu pensamento e assim apontavam o
caminho da palestra.
—
Olvido...palavra interessante esta tua, mas creio que refira-se ao ouvido, esse
que tu usas para ouvir. Vives no esquecimento, pobre mortal, vives na santa
ignorância. — falou--me a criatura que sentava à direita. Ambas estavam
sentadas do outro lado da mesa, de frente para mim.
—
Compreendes que tua língua, complexa aos cérebros humanos, é nada mais que nada
para nós, terráqueo? — indagou a segunda criatura, à esquerda, numa voz ainda
mais grotesca que a primeira
—
Lemo-la em tua mente, e embora teu entendimento dela seja frouxo, basta para
que a dominemos. Cada mistério do universo, para nós é cliché, terráqueo;
nossos olhos mortos e lustrosos enxergam além da vida, porque são divinos.
Transformamo-nos no divino. — completou a da direita, e disse para chamar-lhe
de Cammah. A outra se apresentou apenas como D.
—
Pergunta-se como chegamos até aqui, atravessando a imensidão do cosmos, e o que
queremos de ti afinal. Tenha calma, pois se por um deslize deixemos que vejas
demais, talvez tu não suportes esse saber. Urgente agora é tu te ajoelhares,
entenderes nossa grandeza, e assumires a tua mediocridade. Teus cientistas
postulam ainda sobre mecânica clássica; gozam de escassa sabedoria
relativística. Nós distorcemos o espaço-tempo ao nosso bel prazer, e isso faz
de nós o que somos: imortais e atemporais. — disse Cammah.
—
Onde houver um oásis de vida; nesse imenso mar de estrelas desertas uma ilha
próspera, lá estaremos. Somos a verdadeira raça onipresente. — emendou D.
A
criatura que se chamava Cammah entrelaçou os dedos das mãos e pousou-as sobre a
mesa, num gesto bastante humano, o que de certa forma me tranquilizou, e então
seguiu com sua retórica.
—
Ponderas o sentido de nossa vinda a tua terra, tão longe da nossa; pois bem,
viemos a vós porque somos criaturas inteligentes, amamos o saber; temo-lo como
vício. Nossa sede de conhecimento é tal que despendemos de grande esforço para
compreender tudo aquilo que podemos do universo, e é bem verdade, que vosso
planeta é rico em recursos, e mais rico ainda de vida. A vida na Terra existe
em cada metro, em cada báratro, nos céus ou nos oceanos, e queremos conhecê-la.
— Explicou D.
— Tu
serás o nosso embaixador na Terra, Pedro, nos ajudarás nessa que é mais uma
entre a infinidade de nossas empreitadas pelo cosmos. Queremos entender como a tua
raça se organiza politicamente, suas relações sociais; não menos os seus ópios.
— Concluiu D.
Aqui
eu já era capaz de ler alguma substância nas entrelinhas da palestra, e comecei
a usar de alguma inteligência; ouvir meu nome em minha própria mente teve uma influência
direta nas minhas interpretações, como se o som do meu nome tivesse enfim
despertado a minha consciência, que até então era esmagada pelas vozes
colossais. Em poucos segundos de reflexão, fui capaz de concluir que a
telepatia era uma avenida larga, tão larga quanto se quisesse; e de mão dupla.
Percebi que havia ali mesmo uma hierarquia, entre as duas criaturas, onde o
senhor D. era de alguma forma um ser superior, e também que vinham de uma
pequena estrela, a anã branca dupla de Sirius, a estrela mais brilhante de
nosso céu noturno; e que aquele salão era a representação do céu noturno deles.
Tudo isso roubado da mente de Cammah. O tempo ia passando naquele salão, e a
sombra do entendimento ia pairando sobre mim, cada vez mais densa. Seguiu-se um
período curto de silêncio entre as mentes, quebrado pelo senhor D.
—
Aprendes rápido, terráqueo, tua inteligência é infinitamente inferior, mas é
ainda alguma. Farás como eu disse, seguirás nossas orientações. Viremos visitar-te
em breve, para coletar o pouco que queremos de ti neste primeiro contato.
Haverão outros, naturalmente, e seu mensageiro será Cammah; tu deverás te
reportar a ele, e somente a ele. E cuida que o tempo para ti é curto, jamais infinito...
E
foram essas as últimas palavras que ouvi do senhor D. Cansei-me daquelas
criaturas. Diziam-se soberanas, senhores do universo, mas a arrogância
transbordava dos seus olhos inertes; uma arrogância imunda de quem beira o
divino. Queriam o saber, tinham sede de saber, ao menos era isso que diziam,
mas eu nunca acreditei. Aquela conversa era tempestuosa; as informações que eu
tinha eram voláteis como clorofórmio, e tão tóxicas quanto. Diziam-se admirados
pela abundância de vida na terra, mas me tratavam como lixo, e aqueles olhos...
eu não pude mais suportar! E então finalmente falei, e se alguém nesta terra
algum dia teve iluminada perspicácia no discurso, esse alguém fui eu, ali naquele salão-cos -mo.
Falei pela boca, pois já estava farto do dizer sem palavras daqueles
homenzinhos estrambóticos das estrelas.
—
Meus caros seres extraterrenos, entendo que são nobres as suas motivações, mas
creio que escolheram o homem errado para o que desejam, e se tinham alguma
chance de êxito com este que vos fala, vossa arrogância tratou de dissolvê-la.
Dizeis de beleza e de abundância da vida, mas não vejo poesia em seus
pensamentos, e só vejo frieza em vossos semblantes. Dizeis estar acima do
espaço, acima do tempo, e acima mesmo da morte, verdade esta a única absoluta
entre os homens; mas não é bem o que vejo. Vejo quatro membros e uma cabeça,
vejo duas mãos, as quais possuem veias; posso vê-las serpenteando em teu dorso
úmido, e assim imaginar um coração pulsando nessas vossas entranhas. Se eu
tivesse aqui comigo um punhal, trataria de cravá-lo no teu peito, senhor D., para
ver escorrer de ti algum sangue — ainda que não seja vermelho — descendo por
essa tua pele cinza, depois pingando no chão, e por fim ver esvair-se de ti a
vida que tanto dizes ser eterna. — Disse isso olhando para aqueles olhos negros
do senhor D., e logo depois
dei um soco na mesa com toda a minha força, e estou certo de que o que pude ler
na mente dos dois foi medo. Sim, medo.
Todo
o derredor então se dissolveu, e eu desfaleci, para acordar na minha cama de
volta ao Grajaú. Por muitas vezes pensei que minha atitude foi demasiado
tresloucada, mas foi o que pude fazer naquele momento. E afinal, talvez tivesse
sido tudo um mau sonho. Mas as lembranças eram muito claras... Malditos seres
das estrelas, mostraram-me suas facetas de arrogância; dei-lhes uma amostra do
ódio humano.
fim
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