A
queda da máscara
Por
Nelson Mucandze
O
caminho era cansativo, estava coberto de folhas, galhos caídos e, em alguns
lugares, as plantas haviam crescido sobre ele, mas tudo não fazia o mesmo
sentido, comparando com a sua dor. De repente, um zumbido alto transformou-se
em um fragor. A mudança foi inacreditavelmente rápida. Provavelmente, por causa
dos paredões altos de rocha que rodeavam aquele lugar. Uma voz oriunda do além
o perturbou ainda mais:
- Seu
nome?
Ficou
paralisado. Nunca foi questionado sobre a sua origem. Começou a discutir com os
seus devaneios, fez uma salada de pensamentos:
-
Quem é este, que está a comportar-se como se não soubesse quem eu sou? Que
estupidez! Só algum cego ou surdo não saberia quem eu sou.
Ele
tinha a sua razão. Em todo lugar era conhecido, já fez o melhor e o pior
durante a sua liderança, bastava mencionar aquele país… qualquer pessoa era
levada a perguntar: “Não foi lá que aquele senhor reconstruiu e destruiu-se?”
Mas
ignorou o seu orgulho e concentrou-se na voz pesada da curiosidade. Era um
homem, que qualquer um que o visse pessoalmente ou através dos meios de
comunicação, era logo levado a sentir que dele brotava uma serenidade e
autoconfiança próprias daqueles que vivem com sabedoria e dignidade. Sua única
prisão era a limitação que lhe foi colocada: não falar o que pensa e nem
expressar o que sente.
Queria
ser líder. Era líder, mas não andava superlotado, tenso, pesado, e não tinha
nenhum compromisso de ser perfeito, de se preocupar com a imagem social, de dar
importância vital para a opinião alheia, de se cobrar, se punir, exigir. Apenas
obedecia aos seus banqueiros.
Mas
naquele momento se escondia, e tentava segurar algo que estava caindo do seu
rosto. O que despertou a curiosidade da voz.
O
homem rico, em forma, tinha a idade de um pai, que toda nação tanto precisava, naquele
momento de desamparo. Seus olhos oblíquos e castanhos transmitiam confiança, para os que o
escutavam nas suas visitas. Seu rosto arredondado, traçava o perfil de alguém
que sentíamos ter conhecido a vida inteira. Sua voz era doce e ao mesmo
tempo dura. Falava e vestia-se como um político. Um político sábio. Era um
político!
Sua
característica mais marcante era sem dúvida a sua inabalável determinação.
Respeitado pela condição de líder preocupado, mas desrespeitado por não se
preocupar com o destino das futuras gerações. Era também conhecedor profundo
das questões do seu país, colocava sempre o espírito comunitário acima dos
interesses individuais.
-
Amigo do Anjo da Jornada. Respondeu a voz que o perturbava. Ignorou seu nome,
apesar de todo reconhecimento e suas outras qualidades, se subestimava. Se
sentia confortável por ser identificado pelos seus senhores.
- Sua
identidade?
-
Estou sem documentos. O senhor não vê que estou só, sem mim mesmo?!
-
Perguntei a sua essência. O que escondes detrás dessa maquiagem social?
- Sou
eu mesmo. Replicou novamente.
-
Vamos lá amigo da Jornada. Quem és tu? Tua essência. Tua natureza, quem te
alimenta? Confia em mim. Se esqueceste do teu passado, pelo menos lembra-te do
teu presente. Como chegaste até aqui?
Meneou
a cabeça. Passou os dedos polegares no rosto, continuou a olhar para a sua
sombra gigantesca. Com as suas costas viradas para o desconhecido da voz que lhe
questionava a existência. Inspirando profundamente disse:
- Eu
faço parte do que a história nunca ensinou. Sou o que você não compreende. Um
ser que acolhe todos, mas que se envergonha de si. Por não ter liberdade de
negar o que é necessário. Meus discursos…
Deu
pausa a uma questão incluída. Passou a mão no queixo. Era habitual buscar
coragem na cabeça apoiada em uma mão.
Quando
a pausa se eternizava a voz deixou-se ouvir:
-
Seja claro Anjo da Jornada. Só tu e eu. Se tens uma história longa podes me
contar. Sou paciente, irei ouvir-te sem questionar. Como chegaste até aqui? Por que
reclamas dos que te levantaram?
-
Meus discursos não vêm de mim. Porque nunca aceitaram que eu fosse eu mesmo.
Erguendo
sua cabeça, virou-se aos berros:
- Mas
quem é você que, em vez de me poupar, me confronta? Por que não me trata como
um miserável escondido atrás dessa máscara, digno de pena?
A
volta de um ar que o assombrava. A voz voltou-se a ouvir num tom sereno.
-
Bom. Eu sou o que você ouve. Alguém que nunca deu a ninguém razão para
reclamar. Já fui velho, acolhi os que não eram meus por natureza. Mas durante o
meu processo de rejuvenescimento. Meus filhos voltaram para mim. Fiz uma festa para eles, depois que cresceram, revelei minhas riquezas, o que não fiz durante a presença
do inimigo …
-…
Prosseguiu:
-
Meus tesouros explodiram, todo mundo que antes me olhava como jovem sem futuro, as esperanças deles foram reacendidas com os meus recursos. Passaram a olhar-me como
lugar de esperança, inclusive os meus inimigos.
O sol
já ia se esconder atrás das nuvens, a tarde já ia embora, o diálogo com o
espaço fascinava o homem aparentemente psíquico. Tinha criado em seus devaneios
a possibilidade de ser filho da voz que lhe questionava a existência. Mas
tentou não engolir essa possibilidade, a voz continuou:
-
Depois dessa minha perfeição. Acharam em mim razões para me levarem à loucura.
Nunca faltou água, ouro e nem a mão de Deus, mas lhes falta o pão. Ninguém
questiona, ninguém grita, ninguém quer saber da minha doença crónica. Ninguém! A esperança dos meus viventes transborda. Mas não reagem, apenas lamentam.
O
homem aparentemente inteligente, vivia parecendo zumbi engessado pelos
pensamentos estreitos. Foi educado para trabalhar, crescer, progredir e
infelizmente também para ser especialista em trair a sua essência no seu
intervalo de vida.
Anjo
da Jornada, foi o nome que usou para descrever seus senhores. Um outro silêncio
envolveu o lugar. Nesse silêncio, o homem buscava seu eu, tentava resgatar as
suas origens como homem, a sua responsabilidade como pai, a sua liberdade como
um ser autónomo, o seu amor como marido. Quanta responsabilidade tinha na vida!
Havia
passado o resto da sua vida fazendo comícios, exaltar a verdade como uma
virtude, no final descobriu que nunca pautou nela a sua vida. Nunca foi ele,
nunca falava por si, mas era um homem poderoso? Mas que nunca foi ele.
As
palavras da voz que ouvia, ecoavam em seu subconsciente. Em parte ele se sentia
culpado pelas decepções contadas pela voz. O que estava caindo em seu rosto era a máscara, não porque as correntes que o sustentavam haviam sido quebradas.
- Por
quê? Questionava-se num grito que perturbou até as aves que assistiam o
diálogo, porque também não entendia por que tudo estava acontecendo.
Num
tom natural, antecedido por suspiros a voz respondeu:
-
Porque o real, o verdadeiro está gritando para ser reconhecido.
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