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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

NELSON MUCANDZE - A QUEDA DA MÁSCARA - TERROR DE

A queda da máscara
Por Nelson Mucandze
O caminho era cansativo, estava coberto de folhas, galhos caídos e, em alguns lugares, as plantas haviam crescido sobre ele, mas tudo não fazia o mesmo sentido, comparando com a sua dor. De repente, um zumbido alto transformou-se em um fragor. A mudança foi inacreditavelmente rápida. Provavelmente, por causa dos paredões altos de rocha que rodeavam aquele lugar. Uma voz oriunda do além o perturbou ainda mais:
- Seu nome?
Ficou paralisado. Nunca foi questionado sobre a sua origem. Começou a discutir com os seus devaneios, fez uma salada de pensamentos:
- Quem é este, que está a comportar-se como se não soubesse quem eu sou? Que estupidez! Só algum cego ou surdo não saberia quem eu sou.
Ele tinha a sua razão. Em todo lugar era conhecido, já fez o melhor e o pior durante a sua liderança, bastava mencionar aquele país… qualquer pessoa era levada a perguntar: “Não foi lá que aquele senhor reconstruiu e destruiu-se?”
Mas ignorou o seu orgulho e concentrou-se na voz pesada da curiosidade. Era um homem, que qualquer um que o visse pessoalmente ou através dos meios de comunicação, era logo levado a sentir que dele brotava uma serenidade e autoconfiança próprias daqueles que vivem com sabedoria e dignidade. Sua única prisão era a limitação que lhe foi colocada: não falar o que pensa e nem expressar o que sente.
Queria ser líder. Era líder, mas não andava superlotado, tenso, pesado, e não tinha nenhum compromisso de ser perfeito, de se preocupar com a imagem social, de dar importância vital para a opinião alheia, de se cobrar, se punir, exigir. Apenas obedecia aos seus banqueiros.
Mas naquele momento se escondia, e tentava segurar algo que estava caindo do seu rosto. O que despertou a curiosidade da voz.
O homem rico, em forma, tinha a idade de um pai, que toda nação tanto precisava, naquele momento de desamparo. Seus olhos oblíquos e castanhos transmitiam confiança, para os que o escutavam nas suas visitas. Seu rosto arredondado, traçava o perfil de alguém que sentíamos ter conhecido a vida inteira. Sua voz era doce e ao mesmo tempo dura. Falava e vestia-se como um político. Um político sábio. Era um político!
Sua característica mais marcante era sem dúvida a sua inabalável determinação. Respeitado pela condição de líder preocupado, mas desrespeitado por não se preocupar com o destino das futuras gerações. Era também conhecedor profundo das questões do seu país, colocava sempre o espírito comunitário acima dos interesses individuais.
- Amigo do Anjo da Jornada. Respondeu a voz que o perturbava. Ignorou seu nome, apesar de todo reconhecimento e suas outras qualidades, se subestimava. Se sentia confortável por ser identificado pelos seus senhores.
- Sua identidade?
- Estou sem documentos. O senhor não vê que estou só, sem mim mesmo?!
- Perguntei a sua essência. O que escondes detrás dessa maquiagem social?
- Sou eu mesmo. Replicou novamente.
- Vamos lá amigo da Jornada. Quem és tu? Tua essência. Tua natureza, quem te alimenta? Confia em mim. Se esqueceste do teu passado, pelo menos lembra-te do teu presente. Como chegaste até aqui?
Meneou a cabeça. Passou os dedos polegares no rosto, continuou a olhar para a sua sombra gigantesca. Com as suas costas viradas para o desconhecido da voz que lhe questionava a existência. Inspirando profundamente disse:
- Eu faço parte do que a história nunca ensinou. Sou o que você não compreende. Um ser que acolhe todos, mas que se envergonha de si. Por não ter liberdade de negar o que é necessário. Meus discursos…
Deu pausa a uma questão incluída. Passou a mão no queixo. Era habitual buscar coragem na cabeça apoiada em uma mão.
Quando a pausa se eternizava a voz deixou-se ouvir:
- Seja claro Anjo da Jornada. Só tu e eu. Se tens uma história longa podes me contar. Sou paciente, irei ouvir-te sem questionar. Como chegaste até aqui? Por que reclamas dos que te levantaram?
- Meus discursos não vêm de mim. Porque nunca aceitaram que eu fosse eu mesmo.
Erguendo sua cabeça, virou-se aos berros:
- Mas quem é você que, em vez de me poupar, me confronta? Por que não me trata como um miserável escondido atrás dessa máscara, digno de pena?
A volta de um ar que o assombrava. A voz voltou-se a ouvir num tom sereno.
- Bom. Eu sou o que você ouve. Alguém que nunca deu a ninguém razão para reclamar. Já fui velho, acolhi os que não eram meus por natureza. Mas durante o meu processo de rejuvenescimento. Meus filhos voltaram para mim. Fiz uma festa para eles, depois que cresceram, revelei minhas riquezas, o que não fiz durante a presença do inimigo …
-…
Prosseguiu:
- Meus tesouros explodiram, todo mundo que antes me olhava como jovem sem futuro, as esperanças deles foram reacendidas com os meus recursos. Passaram a olhar-me como lugar de esperança, inclusive os meus inimigos.
O sol já ia se esconder atrás das nuvens, a tarde já ia embora, o diálogo com o espaço fascinava o homem aparentemente psíquico. Tinha criado em seus devaneios a possibilidade de ser filho da voz que lhe questionava a existência. Mas tentou não engolir essa possibilidade, a voz continuou:
- Depois dessa minha perfeição. Acharam em mim razões para me levarem à loucura. Nunca faltou água, ouro e nem a mão de Deus, mas lhes falta o pão. Ninguém questiona, ninguém grita, ninguém quer saber da minha doença crónica. Ninguém! A esperança dos meus viventes transborda. Mas não reagem, apenas lamentam.
O homem aparentemente inteligente, vivia parecendo zumbi engessado pelos pensamentos estreitos. Foi educado para trabalhar, crescer, progredir e infelizmente também para ser especialista em trair a sua essência no seu intervalo de vida.
Anjo da Jornada, foi o nome que usou para descrever seus senhores. Um outro silêncio envolveu o lugar. Nesse silêncio, o homem buscava seu eu, tentava resgatar as suas origens como homem, a sua responsabilidade como pai, a sua liberdade como um ser autónomo, o seu amor como marido. Quanta responsabilidade tinha na vida!
Havia passado o resto da sua vida fazendo comícios, exaltar a verdade como uma virtude, no final descobriu que nunca pautou nela a sua vida. Nunca foi ele, nunca falava por si, mas era um homem poderoso? Mas que nunca foi ele.
As palavras da voz que ouvia, ecoavam em seu subconsciente. Em parte ele se sentia culpado pelas decepções contadas pela voz. O que estava caindo em seu rosto era a máscara, não porque as correntes que o sustentavam haviam sido quebradas.
- Por quê? Questionava-se num grito que perturbou até as aves que assistiam o diálogo, porque também não entendia por que tudo estava acontecendo.
Num tom natural, antecedido por suspiros a voz respondeu:
- Porque o real, o verdadeiro está gritando para ser reconhecido.


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