I - HISTÓRIA DA CAROCHINHA
FOLCLORE
DE PORTUGAL
ADOLFO COELHO
Era uma vez uma carochinha que andava a varrer a casa e achou cinco reis
e foi logo ter com uma vizinha e perguntou-lhe: “Oh vizinha, que hei- -de eu
fazer a estes cinco reis?” Respondeu-lhe a vizinha: «Compra doces.» — «Nada,
nada, que é lambarice.» «Foi ter com outra vizinha e ela disse--lhe o mesmo»; depois foi ainda ter com
outra que lhe disse: «Compra fitas, flores, braceletes e brincos e vai-te pôr á
janela» e diz:
Quem quer
casar com a carochinha
Que é
bonita e perfeitinha?
Foi a carochinha comprar muitas fitas, rendas, flores, braceletes d’ouro
e brincos; enfeitou--se muito enfeitada e foi-se pôr à janela, dizendo:
«Quem quer casar com a carochinha
Que é bonita e perfeitinha?»
Passou um boi e disse: «Quero eu!.» «Como é a tua fala?» «Mú, mú…» «Nada,
nada não me serves que me acordas os meninos de noite.» Depois tornou outra vez
a dizer:
«Quem quer casar com a carochinha
Que é bonita e perfeitinha?»
Passou um burro e disse: «Quero eu!.» «Como é a tua fala?» «Hin ón… hin
ón…» «Nada, nada não me serves, que me acordas os meninos de noite.» Depois
passou um porco e a carochinha disse-lhe: «Deixa-me ouvir a tua fala.» «Onc, onc,
onc.» «Nada, nada não me serves, que me acordas os meninos de noite.» Passou um
cão e a carochinha disse-lhe: «Deixa-me ouvir a tua fala.» «Au, Au.» «Nada,
nada não me serves, que me acordas os meninos de noite.» «Passou um gato. «Como
é a tua fala?» «Miau, miau.» Nada, nada, não me serves, que me acordas os
meninos de noite.» Passou um ratinho e disse: «Quero eu!.» «Como é a tua fala?»
«Chi, chi, chi.» «Tu sim, tu sim; quero casar contigo,» disse a carochinha.
Então o ratinho casou com a carochinha e ficou-se chamando o João Ratão.
Viveram alguns dias muito felizes, mas tendo chegado o domingo, a carochinha
disse ao João Ratão que ficasse ele a tomar conta da panela que estava ao lume
a cozer uns feijões para o jantar. O João Ratão foi para junto do lume e para
ver se os feijões já estavam cozidos meteu a patinha na panela e a ela
ficou-lhe lá; meteu a outra; também lá ficou; meteu-lhe um pé; sucedeu--lhe o
mesmo, e assim em seguida foi caindo todo na panela e cozeu-se com os feijões.
Voltou a carochinha da missa e como não visse o João Ratão, procurou-o por
todos os buracos e não o encontrou e disse para consigo. «Ele virá quando quiser
e deixa-me ir comer os meus feijões.» Mas ao deitar os feijões no prato
encontrou o João Ratão morto e cozido com eles. Então a carochinha começou a
chorar em altos gritos e uma tripeça que ela tinha em casa perguntou-lhe:
«Que tens,
carochinha,
Que estás
aí a chorar?»
«Morreu o
João Ratão
E por isso
estou a chorar»
«E eu que
sou tripeça
Ponho-me a dançar.»
Diz d’ali
uma porta:
«Que tens
tu, tripeça,
Que estás
a dançar?»
«Morreu o
João Ratão,
Carochinha
está a chorar,
E eu que
sou tripeça
Pus-me a
dançar.»
«E eu que
sou porta
Ponho-me a
abrir e a fechar.»
Diz d’ali
uma trave:
«Que tens
tu, porta,
Que estás
a abrir e a fechar?
«Morreu o
João Ratão,
Carochinha
está a chorar,
A tripeça
está a dançar,
E eu que
sou porta
Pus-me a
abrir e a fechar.»
«E eu que
sou trave
Quebro-me.»
Diz d’ali
um pinheiro:
«Que tens,
trave,
Que te
quebraste?»
«Morreu o
João Ratão,
Carochinha
está a chorar,
A tripeça
está a dançar,
A porta a
abrir e a fechar,
E eu
quebrei-me.»
«E eu que
sou pinheiro
Arranco-me.»
Vieram os passarinhos para descansar no pinheiro e viram-n’o arrancado e
disseram:
«Que tens,
pinheiro,
Que estás
no chão?»
«Morreu o
João Ratão,
Carochinha
está a chorar,
A tripeça
está a dançar,
A porta a
abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se,
E eu
arranquei-me.»
«E nós que
somos passarinhos
Vamos
tirar os nossos olhinhos.
Os passarinhos tiraram os olhinhos, e depois foram à fonte beber água. E
diz-lhe a fonte:
«Porque
foi passarinhos,
Que
tirastes os olhinhos?»
«Morreu o
João Ratão,
A
carochinha está a chorar,
A tripeça
está a dançar,
A porta a
abrir e a fechar,
A trave
quebrou-se,
O pinheiro
arrancou-se,
E nós,
passarinhos,
Tirámos os
olhinhos»
«E eu que
sou fonte
Seco-me.»
Vieram os meninos do rei com os seus cantarinhos para levarem água da
fonte e acharam-na seca e disseram:
«Que tens, fonte,
Que secaste?
«Morreu o João Ratão,
A carochinha está a chorar,
A tripeça a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
Os passarinhos tiraram os olhinhos,
E eu sequei-me.»
«E nós quebramos os cantarinhos.»
Foram os meninos para palácio e a rainha perguntou-lhes:
«Que tendes, meninos,
Que quebrastes os cantarinhos?»
«Morreu o João Ratão,
A carochinha está a chorar,
A tripeça a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
Os passarinhos tiraram os olhinhos,
A fonte secou-se,
E nós quebramos os cantarinhos.»
«Pois eu que sou rainha
Andarei em fralda pela cozinha.»
Diz d’ali o rei:
«E eu vou arrastar o c…
Pelas brasas.»
(Coimbra.)
E assim foi a história do João Ratão
cozido e assado no caldeirão
E assim se instalou o caos. Uma distopia parecisa com a que estamos vivendo.
ResponderExcluirOLÁ ENTÃO TU ME VISITASTE?! QUE BOM FICO FELIZ, OBRIGADO.
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