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sábado, 4 de novembro de 2017

TAHAN, MALBA - O VELHO ZAMARAK

O VELHO ZAMARAK

Malba tahan

   Porque os retos habitarão a  Terra, e os sinceros nela permanecerão
        Salomão, provérbios, 2, 21

        
Vou contar-vos, agora, ó irmão dos árabes, a curiosa lenda intitulada “O Velho Zamarak”, que ouvi, durante o último inverno, quando percorria o interior da Pérsia.
               - Onde fica Zamarka?
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Eis aí uma pergunta capaz de perturbar e confundir um sábio geógrafo. Vou, porém, esclarecê-la de uma vez para sempre. Zamarak é uma pequenina aldeia, de três mil tamareiras, que fica além de Kishin, num país longínquo, banhado pelo mar da Arábia.                                                            
Reza, pois, a tradição, que em Zamarak vivia um velho que tinha 97 anos. Esse número, bem sabeis, simboliza uma longa existência na face da Terra. E o singular ancião, quase centenário, possuía saúde admirável e uma invulgar resistência: trabalhava ativamente, percorria a cavalo largo trecho do deserto, caçava gazela, domesticava falcões de raça e praticava mil outras proezas que só os jovens robustos são capazes de levar a termo.
O generoso rei Ali Djafar Billah, ao passar certa vez com sua caravana pelo oásis de Zamarka, foi informado da existência do prodigioso ancião.
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Mandou o monarca que trouxessem o velho à sua tenda e interpelou-o.
- Meu amigo – disse-lhe bondoso -, bem vejo que sois, ainda, forte e sadio numa idade em que o homem, em geral, já se vê trôpego, fraco e esmagado pelo peso da própria vida. Se o egoísmo humano não vos impedir de revelar o vosso segredo, dizei-me qual foi o bálsamo maravilhoso que vos proporcionou essa invejável vitória sobre o tempo e essa resistência para a vida?
- Rei magnânimo e justo – retorquiu o velho -, vou atender ao vosso pedido. Não conheço, porém, bálsamos nem remédios milagrosos. Devo a saúde que ainda hoje possuo ao regime de vida que adotei. Esse regime admirável resume-se em três preceitos para mim invioláveis e sagrados.
- Qual é o primeiro? – indagou o rei com afetada paciência. O velho de 97 anos respondeu, baixando um pouco a voz:
- Nunca perdi o orvalho da manhã!
- Por Alá! É interessante! – comentou, jubiloso o monarca. – Compreendo muito bem o sentido oculto de vossas palavras: quereis dizer que sois por hábito madrugador e que só um homem dado ao trabalho ativo, de vida metódica, nunca “perde o orvalho da manhã”.
- O segundo preceito – acrescentou o ancião, depois de breve silêncio – é o seguinte: nunca bebi de um cântaro sem me assegurar da pureza da fonte!
- Muito bem! – tornou, risonho, o soberano. – A vossa regra de bem viver exprime o cuidado que o homem deve ter com a própria alimentação. Nossa saúde depende muito da água que bebemos e do pão que comemos. Qual o terceiro e último preceito?
- É o mais importante dos três – confessou o velho beduíno. – A esse preceito devo exclusivamente a vida calma e tranqüila que tenho tido: jamais contrariei alguém!
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- Mac’Allah! – protestou com veemência o rei. – Não acredito em semelhante coisa! Não posso admitir que um homem, seja ele um emir ou simples caravaneiro, viva noventa anos e mais sete anos sem causar a seus semelhantes infinitas contrariedades! Ah! Isso não! Deyman! Abadan! Em tempo algum!
O velho, que ouvira com invejável serenidade as imprecações do monarca, tornou com seu tranqüilo falar:
- As objeções que acabais de formular, ó rei, colocam-me, neste momento, em sérias dificuldades. Devo aceitar as vossas objeções? Cumpre-me recusá-las? Não posso, é evidente, concordar com a vossa opinião, pois isso implicaria confessar que já contrariei alguém. Não quero, porém, contrariar-vos, para não ferir um preceito para mim inviolável!
E depois de ligeira pausa de vergonhoso embaraço, rematou num gesto burlesco de credulidade:
- Mas, afinal, admito que a razão esteja de vosso lado. Não se pode viver, neste mundo de dúvidas e incertezas, noventa anos e mais sete anos sem contrariar centenas de crentes e milhares de infiéis!
- Ó homem admirável! – exultou o rei, com alvoroço. – Os grandes tesouros dos velhos são a prudência e o saber! Preferiste passar por mentiroso a causar leve contrariedade àquele que negava o vosso preceito. Com um gênio assim, chegareis, se Alá quiser, aos 197 anos...


Novas Lendas Orientais;Malba Tahan, 13ª; Rio de Janeiro;  Bestseller; 2009(pág. 113 a 115)