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domingo, 27 de agosto de 2017

MALBA TAHAN - A CALÚNIA

A CALÚNIA
MALBA TAHAN

Resultado de imagem para CALÚNIAO Juiz Hossein El-Gabata, certo de que a audiência, naquela manhã, estava já terminada, fechou o livro da Lei, ergueu os óculos que lhe pesavam sobre o nariz, e levantou-se, com o seu vagar costumeiro ao preparar-se para deixar o tribunal.
Doutor juiz – exclamou o acusador público, aproximando-se respeitosamente, - a velha caluniadora, presa ontem ainda não foi julgada e espera a vossa sentença.
Só então notou o velho magistrado que ainda aguardava julgamento uma anciã esquecida, postada no fundo da sala. Sentou-se contrariado e, com um aceno de mão, ordenou que a última acusada se aproximasse da mesa.
- Estou inocente, ó venerável cádi – exclamou, soluçando, a mulher. – Não cometi crime algum. Sou vítima da inveja de meus inimigos!
- Doutor juiz – interveio tranquilo o promotor – essa mulher, segundo tive ocasião de verificar, é uma caluniadora terrível. Raro é o dia em que a sua imaginação maldosa não inventa uma nova torpeza com a qual fere e mutila a honra e o renome de uma pessoa digna. Ainda ontem assacou uma calúnia contra o nosso bom amigo, o cheique Nasil El-Hainé, que se acha, por esse fato, com a saúde fortemente abalada. Em benefício da tranquilidade deve ela sofrer castigo severo que, servindo-lhe de ensinament, possa forçá-la a deixar para sempre, em paz, os homens de bem, fazendo-a compreender a anormalidade do crime que pratica.
O judicioso Hossein El-Gabata, ao ouvir as palavras do acusador, meditou durante alguns instantes com o olhar fixo sobre o Livro de Allah. Que deveria fazer para arrancar do coração daquela mulher o germe do odiento pecado? Como demonstrar-lhe a gravidade do mal que provém da calúnia?
Tomou, afinal, o magistrado, de um  pedaço de papel e nele escreveu lentamente o nome honrado do cheique Nassil El-Heiné. Isso feito entregou o papel à acusada e disse-lhe:
- Aqui está escrito o nome da última pessoa vítima da tua língua peçonhenta. Rasga este papel em pedaços tão pequenos que cada um deles possa ser oculto debaixo de um grão de milho.
Surpreendida, embora, por aquela estranha ordem, a mulher obedeceu sem vacilar. O cádi e os auxiliares do tribunal viram-na algum tempo entregue, reduzindo-o a pedacinhos extremamente pequenos.
- Irás agora – ordenou o juiz – até a última casa da cidade e deixarás cair, ao acaso, pelo caminho, esses pedacinhos de papel. Feito isso voltarás novamente à minha presença a fim de que eu possa lavrar a sentença.
Algumas horas depois a mulher apresentava-se ao velho magistrado, declarando que havia cumprido a ordem que lhe fora dada.
Disse então, o juiz em tom severo:
- Volta novamente pelo mesmo caminho, apanha, um por um, todos os pedacinhos de papel e procura com eles formar o nome despedaçado. Se não conseguires isso, receberás cem chibatadas.
- Piedade senhor cádi! Exclamou a mulher tomada de vivo desespero. – Por Allah! Ser-me-ia impossível achar pelas ruas, praças e estradas os pedacinhos que atirei fora, por isso que não cuidei de observar onde caíam quando me desfazia deles. E o vento já os levou com a areia; estarão mais queimados ou perdidos para sempre.
- Mulher indigna! – exclamou, exaltado, o juiz – implora agora piedade e outra coisa não fazes senão esfrangalhar, pela calúnia, a honra alheia e atirar-lhes os pedaços ao sabor de maledicência. O cheique Nassil tinha um nome íntegro e tu, com falsas imputações, conseguiste destruí-lo. Assim como é impossível reconstituir, com os pedacinhos de papel atirados ao acaso, o nome estracinhado*, também não há poder humano que consiga desfazer a obra mutiladora da calúnia.
E, voltando-se para os guardas e ajudantes ajuntou:
- A minha sentença está dada! O caluniador não é digno de perdão. Assim determinou o Livro de Deus.

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*estraçalhado