A MENINA DO MOINHO D’ÁGUA
ADELAIDE ABREU DOS SANOTS
Era uma vez uma
família, que morava numa fazenda em Minas Gerais e lhe deu o nome de “Canto do
Quete”(na figura do topo), porque o que mais se ouvia era o canto dessa ave canora por entre os
ramos das árvores. Ao amanhecer iniciava-se o canto que prevalecia envolvendo a
fazenda numa nuvem melódica o dia inteiro e ao entardecer paulatinamente
silenciavam.
Os moradores da
fazenda eram um casal, que ali fizeram seu ninho de amor e desse amor brotaram cinco
rebentos embalados pela melodia do Quete.
A vida prosseguia
na faina diária de sol a sol o pai trabalhava na sua criação de porcos, vacas,
galinhas, patos, cabras e ovelhas e amanhava uma parte da terra, além de
supervisionar o serviço dos arrendatários, pois como a terra era extensa arrendou-a
a alguns meeiros.
Após alguns anos a
população da casa foi crescendo. Chegou uma filha, logo depois outra, o que
equivalia a dizer que não teriam braços para ajudá-los, mas o terceiro foi um
rapazinho, orgulho do pai, pois seria o seu sucessor e auxiliar nos serviços da
fazenda, novamente a mulher engravidou e a expectativa era grande, mas graças a
Deus veio outro menino, mais um para somar nos serviços da fazenda e eis que
chega mais uma gravidez, ficaram na expectativa do desempate, os homens
querendo mais um e elas mais uma e eis que nasce a pequenina Silvia, portanto
as mulheres ficaram em maioria.
Esta pequerruchinha
deixou todos boquiabertos e encantados, pois era uma bonequinha, mimosa e muito
alegre, bastava olhar para ela que sorria. Quando começou com o gugu... dada...,
todos corriam para vê-la, era a rainha da casa, mantinha o pai e todos abobados
com suas gracinhas. Se ameaçasse chora, todos corriam preocupados, temendo o
que havia acontecido com a pequenina, era puro dengo. Só queria chamar a
atenção! O tempo foi passando e ela crescendo rodeada de carinho e atenção.
Silvia era a mais
sapeca e alegre, não obstante fosse a menorzinha, porém o que tinha de
pequenina, tinha de esperta e de ativa. Tudo observava, tudo lhe interessava e
percorria os caminhos da fazenda com suas perninhas curtas e seus passos
inseguros, olhando cada animalzinho, ou inseto, cada flor do mato, tudo enfim
não lhe escapava, sua curiosidade a levava a perguntar sobre tudo o que via e
não sossegava enquanto não obtivesse uma resposta.
O pai era para ela
um homenzarrão, quando o via se encolhia, pois a voz dele era tonitruante e a
mãe o atendia imediatamente, volteava em torno dele qual borboleta. Quando o
pai chegava a casa após uma tarefa de suas tarefas, fosse de fiscalização dos
meeiros, fosse após o abate e esquartejamento de uma res, sentava-se soberano
na sua cadeira e a esposa atenciosa, ora trazia uma bacia e água quente para
seus pés cansados ou algum suco, café, biscoitos, ou até um tira gosto e ele
ficava lá esparramado se deleitando com a atenção que recebia.
Todos os dias o
ritual era o mesmo. Quando havia o abate de uma das cabeças de gado, levava-a
para ser esquartejada, vendia as melhores peças e a sobra, que normalmente eram
as vísceras, levava-os para a família. A esposa então lavava o se quinhão e
guardava nos tachos em salmoura, ou na banha para ser consumido nas refeições
da família.
O senhor todo ufano
seguia seu ritual diário de afazeres. Vez ou outra trazia um naco melhor de
carne para a família, ou abatia uma ovelha, um porco ou outro dos espécimes que
possuía e a família se deleitava com essas dádivas, eventuais e os deliciosos quitutes
feitos pela mãe.
A esposa tinha uma
azáfama interminável para ter a casa sempre em ordem, roupas lavadas e
engomadas, refeições sempre a tempo e a horas, cozinha sempre arrumada e as
crianças sempre asseadas e bem alimentadas, as roupas quando sofriam um acidente,
como a perda de um botão ou rasgadas no arame da cerca, os botões eram sempre
pregados e os rasgões passajados, não deixava brecha nenhuma nos seus afazeres.
As crianças foram
crescendo e começaram a assumir gradativamente as suas responsabilidades,
dividindo-as com os pais, claro que não na mesma proporção, mas qualquer ajuda
seria bem vinda.
Assim é que as
moças começaram a se responsabilizar pela roupa e pela limpeza da cozinha e os
rapazes a tomar conta da alimentação dos animais e a fiscalizar a produção dos
meeiros, aliviando assim o trabalho dos pais.
A pequerrucha
também não foi esquecida, juntava os sapatos, raspava-lhes a lama; ia ao
quintal com uma cestinha recolher os ovos das galinhas, jogar-lhes o milho para
comerem, e jogar a comida para os patos, lavar o pratinho do gato e pôr leite,
lavar o pratinho do cachorro e pôr comida, enfim ajudava com as pequenas
atividades. Além de brincar no quintal, trepar nas árvores para pegar frutas e
comê-las. Tomar banho no rio perto do moinho d’água.
Havia também os
passeios à aldeia, aonde iam vez ou outra. A família toda tomava um banho mais
caprichado e se paramentava toda com suas roupas domingueiras e lá iam de
charrete pela estrada de chão para a Vila comprar os artigos de que
necessitavam. A mãe conduzia a charrete com as crianças sentadinhas na tábua de
trás e o pai acompanhava-os a cavalo, ladeando o veículo.
Nessas incursões à
vila a família comprava peças de tecido inteiras para a mãe fazer lençóis,
fronhas, que seriam confeccionados pela mãe na sua máquina de costura. Além é
claro de comprar tecidos para a roupa dos filhos, também às peças e que também
seriam cortadas e costuradas por ela, para que os filhos tivessem roupas
compatíveis com seu novo tamanho, mesmo porque as outras já estavam bem
surradas e só serviam para serviços pesados. Sapatos eram comprados uma vez por
ano, então os menores só viviam descalços, pois os pés cresciam mais rápidos do
que a volta à cidade após um ano, para comprá-los. As crianças viviam descalças
na fazenda e só lavavam os pés quando iam para a cama dormir.
Outro momento
incrível era o do banho. Era uma farra, pegavam os enxugadores, ou toalhas, ou
lençóis velhos e as roupas e se dirigiam para o rio, perto do moinho d’água, lá
se enfiavam sob a roda d’água e usavam a água que escorria do moinho para tomar
banho, com uma bucha vegetal. Era uma alegria, davam gritos por causa da água fria,
que momentos inocentes e felizes!
Durante o banho
faziam a maior farra, jogando água uns nos outros, fazendo a maior guerra de
água. Era uma verdadeira festa. Os queixos batiam, os dentes pareciam
castanholas, o corpo tiritava, as bocas ficavam roxas, tal era o frio, mas a
gritaria ajudava a distrair e o melhor era se enrolar no enxugador e correr
para dentro de casa e ficar perto do fogão a lenha, que mais parecia uma
lareira, com o calorzinho que espalhava pela cozinha. Vestiam os pijamas
flanelados e jantavam para ir dormir. O que ocorria por volta das seis horas,
pois a fazenda não possuía eletricidade, só lampiões a óleo, uma iluminação
feérica e que convidava as crianças a dormir, como se dizia na época: “dormir
com as galinhas!”
No dia seguinte,
assim que o sol ameaçava abrir um olho, as crianças já estavam no quintal,
estremunhadas para a execução de suas tarefas, como coleta de ovos, alimentação
dos animais, ordenha das vacas e depois voltavam par casa para tomar o café da
manhã com os pais.
Silvia depois do
café tinha como obrigação brincar, já que era a pequenininha da família, não tinha
idade, nem tamanho para se envolver com tarefas pesadas. Suas brincadeiras eram
as mais variadas: correr atrás das galinhas para enxotá-las, seguir o caminho
das formigas, roubar as folhas que carregavam, ver o camaleão mudar de cor, de
acordo com o local onde se apoiava, perseguir o tamanduá, os cabritinhos, enfim
toda a gama de animais criados, ou os nativos da fazenda ela os perseguia e
observava.
Além de tudo isso
trepava nas árvores que eram mais baixinhas e comia as frutas diretamente do pé.
Cavocava a terra, plantando galhos e sementes, criando jardins, criava
construções com as pedras para as bonecas de pano, na verdade era a boneca,
pois era só uma, que a mãe tinha feito para ela.
Silvia viveu no seu
mundo encantado de criança, sem tecnologia, mas com muita criatividade ,
motivada pela sua curiosidade e o seu desejo de se manter ocupada. Os dias
passavam céleres com a menina descalça, palmilhando quilômetros de travessuras
e espalhando gostosas gargalhadas argênteas por onde passava.
Silvia era a
própria alegria encarnada num corpinho de criança, que por onde passava
despertava sorrisos e a natureza se engalanava para vê-la, os animais a
adoravam e as pessoas lhe tinham muita ternura. Essa era a menina do moinho d’água!
0 comentários:
Postar um comentário