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segunda-feira, 1 de maio de 2017

ADELAIDE ABREU DOS SANTOS - A MENINA DO MOINHO D'ÁGUA

A MENINA DO MOINHO D’ÁGUA

ADELAIDE ABREU DOS SANOTS

quete
Foi  ouvir o som do canto em notas decrescentes do pula-pula-assobiador ou Quete (Basileuterus leucoblepharus). Mesmo quando todas as outras aves estavam quietas, ele estava lá, cantando insistentemente!
Era uma vez uma família, que morava numa fazenda em Minas Gerais e lhe deu o nome de “Canto do Quete”(na figura do topo), porque o que mais se ouvia era o canto dessa ave canora por entre os ramos das árvores. Ao amanhecer iniciava-se o canto que prevalecia envolvendo a fazenda numa nuvem melódica o dia inteiro e ao entardecer paulatinamente silenciavam.
Os moradores da fazenda eram um casal, que ali fizeram seu ninho de amor e desse amor brotaram cinco rebentos embalados pela melodia do Quete.
A vida prosseguia na faina diária de sol a sol o pai trabalhava na sua criação de porcos, vacas, galinhas, patos, cabras e ovelhas e amanhava uma parte da terra, além de supervisionar o serviço dos arrendatários, pois como a terra era extensa arrendou-a a alguns meeiros.
Após alguns anos a população da casa foi crescendo. Chegou uma filha, logo depois outra, o que equivalia a dizer que não teriam braços para ajudá-los, mas o terceiro foi um rapazinho, orgulho do pai, pois seria o seu sucessor e auxiliar nos serviços da fazenda, novamente a mulher engravidou e a expectativa era grande, mas graças a Deus veio outro menino, mais um para somar nos serviços da fazenda e eis que chega mais uma gravidez, ficaram na expectativa do desempate, os homens querendo mais um e elas mais uma e eis que nasce a pequenina Silvia, portanto as mulheres ficaram em maioria.
Esta pequerruchinha deixou todos boquiabertos e encantados, pois era uma bonequinha, mimosa e muito alegre, bastava olhar para ela que sorria. Quando começou com o gugu... dada..., todos corriam para vê-la, era a rainha da casa, mantinha o pai e todos abobados com suas gracinhas. Se ameaçasse chora, todos corriam preocupados, temendo o que havia acontecido com a pequenina, era puro dengo. Só queria chamar a atenção! O tempo foi passando e ela crescendo rodeada de carinho e atenção.
Silvia era a mais sapeca e alegre, não obstante fosse a menorzinha, porém o que tinha de pequenina, tinha de esperta e de ativa. Tudo observava, tudo lhe interessava e percorria os caminhos da fazenda com suas perninhas curtas e seus passos inseguros, olhando cada animalzinho, ou inseto, cada flor do mato, tudo enfim não lhe escapava, sua curiosidade a levava a perguntar sobre tudo o que via e não sossegava enquanto não obtivesse uma resposta.
O pai era para ela um homenzarrão, quando o via se encolhia, pois a voz dele era tonitruante e a mãe o atendia imediatamente, volteava em torno dele qual borboleta. Quando o pai chegava a casa após uma tarefa de suas tarefas, fosse de fiscalização dos meeiros, fosse após o abate e esquartejamento de uma res, sentava-se soberano na sua cadeira e a esposa atenciosa, ora trazia uma bacia e água quente para seus pés cansados ou algum suco, café, biscoitos, ou até um tira gosto e ele ficava lá esparramado se deleitando com a atenção que recebia.
Todos os dias o ritual era o mesmo. Quando havia o abate de uma das cabeças de gado, levava-a para ser esquartejada, vendia as melhores peças e a sobra, que normalmente eram as vísceras, levava-os para a família. A esposa então lavava o se quinhão e guardava nos tachos em salmoura, ou na banha para ser consumido nas refeições da família.
O senhor todo ufano seguia seu ritual diário de afazeres. Vez ou outra trazia um naco melhor de carne para a família, ou abatia uma ovelha, um porco ou outro dos espécimes que possuía e a família se deleitava com essas dádivas, eventuais e os deliciosos quitutes feitos pela mãe.
A esposa tinha uma azáfama interminável para ter a casa sempre em ordem, roupas lavadas e engomadas, refeições sempre a tempo e a horas, cozinha sempre arrumada e as crianças sempre asseadas e bem alimentadas, as roupas quando sofriam um acidente, como a perda de um botão ou rasgadas no arame da cerca, os botões eram sempre pregados e os rasgões passajados, não deixava brecha nenhuma nos seus afazeres.
As crianças foram crescendo e começaram a assumir gradativamente as suas responsabilidades, dividindo-as com os pais, claro que não na mesma proporção, mas qualquer ajuda seria bem vinda.
Assim é que as moças começaram a se responsabilizar pela roupa e pela limpeza da cozinha e os rapazes a tomar conta da alimentação dos animais e a fiscalizar a produção dos meeiros, aliviando assim o trabalho dos pais.
A pequerrucha também não foi esquecida, juntava os sapatos, raspava-lhes a lama; ia ao quintal com uma cestinha recolher os ovos das galinhas, jogar-lhes o milho para comerem, e jogar a comida para os patos, lavar o pratinho do gato e pôr leite, lavar o pratinho do cachorro e pôr comida, enfim ajudava com as pequenas atividades. Além de brincar no quintal, trepar nas árvores para pegar frutas e comê-las. Tomar banho no rio perto do moinho d’água.
Havia também os passeios à aldeia, aonde iam vez ou outra. A família toda tomava um banho mais caprichado e se paramentava toda com suas roupas domingueiras e lá iam de charrete pela estrada de chão para a Vila comprar os artigos de que necessitavam. A mãe conduzia a charrete com as crianças sentadinhas na tábua de trás e o pai acompanhava-os a cavalo, ladeando o veículo.
Nessas incursões à vila a família comprava peças de tecido inteiras para a mãe fazer lençóis, fronhas, que seriam confeccionados pela mãe na sua máquina de costura. Além é claro de comprar tecidos para a roupa dos filhos, também às peças e que também seriam cortadas e costuradas por ela, para que os filhos tivessem roupas compatíveis com seu novo tamanho, mesmo porque as outras já estavam bem surradas e só serviam para serviços pesados. Sapatos eram comprados uma vez por ano, então os menores só viviam descalços, pois os pés cresciam mais rápidos do que a volta à cidade após um ano, para comprá-los. As crianças viviam descalças na fazenda e só lavavam os pés quando iam para a cama dormir.
Outro momento incrível era o do banho. Era uma farra, pegavam os enxugadores, ou toalhas, ou lençóis velhos e as roupas e se dirigiam para o rio, perto do moinho d’água, lá se enfiavam sob a roda d’água e usavam a água que escorria do moinho para tomar banho, com uma bucha vegetal. Era uma alegria, davam gritos por causa da água fria, que momentos inocentes e felizes!
Durante o banho faziam a maior farra, jogando água uns nos outros, fazendo a maior guerra de água. Era uma verdadeira festa. Os queixos batiam, os dentes pareciam castanholas, o corpo tiritava, as bocas ficavam roxas, tal era o frio, mas a gritaria ajudava a distrair e o melhor era se enrolar no enxugador e correr para dentro de casa e ficar perto do fogão a lenha, que mais parecia uma lareira, com o calorzinho que espalhava pela cozinha. Vestiam os pijamas flanelados e jantavam para ir dormir. O que ocorria por volta das seis horas, pois a fazenda não possuía eletricidade, só lampiões a óleo, uma iluminação feérica e que convidava as crianças a dormir, como se dizia na época: “dormir com as galinhas!”
No dia seguinte, assim que o sol ameaçava abrir um olho, as crianças já estavam no quintal, estremunhadas para a execução de suas tarefas, como coleta de ovos, alimentação dos animais, ordenha das vacas e depois voltavam par casa para tomar o café da manhã com os pais.
Silvia depois do café tinha como obrigação brincar, já que era a pequenininha da família, não tinha idade, nem tamanho para se envolver com tarefas pesadas. Suas brincadeiras eram as mais variadas: correr atrás das galinhas para enxotá-las, seguir o caminho das formigas, roubar as folhas que carregavam, ver o camaleão mudar de cor, de acordo com o local onde se apoiava, perseguir o tamanduá, os cabritinhos, enfim toda a gama de animais criados, ou os nativos da fazenda ela os perseguia e observava.
Além de tudo isso trepava nas árvores que eram mais baixinhas e comia as frutas diretamente do pé. Cavocava a terra, plantando galhos e sementes, criando jardins, criava construções com as pedras para as bonecas de pano, na verdade era a boneca, pois era só uma, que a mãe tinha feito para ela.
Silvia viveu no seu mundo encantado de criança, sem tecnologia, mas com muita criatividade , motivada pela sua curiosidade e o seu desejo de se manter ocupada. Os dias passavam céleres com a menina descalça, palmilhando quilômetros de travessuras e espalhando gostosas gargalhadas argênteas por onde passava.
Silvia era a própria alegria encarnada num corpinho de criança, que por onde passava despertava sorrisos e a natureza se engalanava para vê-la, os animais a adoravam e as pessoas lhe tinham muita ternura. Essa era a menina do moinho d’água!

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