O juiz e a corcunda
terça-feira, 19 de
outubro de 2010
A
primeira testemunha entrou na sala de audiência após esperar quase uma hora.
Seria decidido se Maria e João eram ou não amantes.
Assim
que entrou, meio vagarosa, olhou fixamente para os homens sérios que estavam
sentados. Não percebeu que suas pernas não mais se moviam; tremiam.
Ela
entrou e sentou na cadeira dura e desajeitada, que a Justiça comicamente
"bem" acolhe seus visitantes.
Com
as mãos sobre a barriga, pois era muito gorda, fitou as costas do computador
usado pela bela menina emburrada.
Sentiu-se
violada, pois expôs todos os seus dados pessoais a um estranho.
Começou
o martírio das perguntas.
O
Juiz, com pressa, dando a entender que não suportava perder seu tempo com
alguém tão inferior a ele, disparou uma série de questões incoerentes e
tendenciosas.
A
mulher não entendia nada.
Ela
era negra, corcunda e muito feia.
Do
que abstraiu, tentou explicar que não era vizinha da Maria, mesmo morando na
mesma rua. "A rua era longa, senhor Juiz".
O
Julgador fingia não entender e ficava nervoso. Queria que ela falasse só o que
ele queria ouvir; a todo custo.
Sua
grosseria correu pelos corredores do fórum.
A
mulher chorou porque falou a verdade e o ar daquela sala enchia suas palavras
de mentiras.
Uma
ferida ali se abriu.
A
mulher idosa jamais imaginou que nos seus avançados anos um novo trauma
viria lhe fazer companhia.
O
juiz não teve piedade e a esfaqueou:
-
Assine e saia.
Aqueles
quinze minutos se estenderam como se fossem dias de tortura.
Ela
só queria sair dali. Mal assinou a folha.
Para
os advogados, escrivã e Juiz, apenas mais um corriqueiro dia.
Para
ela, ofensa e humilhação eterna.
Ninguém
se deu conta do que fizeram com aquela senhora corcunda.
Todos
riram após o ocorrido com piadas banais.
Ela
saiu cabisbaixa, triste e nervosa.
O que
ninguém percebeu é que, tanto mentiras, como verdades, favoreciam a Maria; que
só amou demais um homem cafajeste.
Tadeu Francisco
08-06-2010
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