O Relógio
O colégio onde eu estudava quando
menina, costumava encerrar o ano letivo com um espetáculo teatral.
Eu adorava aquilo, porém nunca fora
convidada para participar, o que me trazia uma secreta mágoa.
Quando fiz onze anos avisaram-me que,
finalmente iria ter um papel para representar.
Fiquei felicíssima, mas esse estado de
espírito durou pouco.
Escolheram uma colega minha para o
desempenho principal.
Minha decepção foi imensa.
Voltei para casa em prantos.
Mamãe quis saber o que se passava e
ouviu toda a minha história entre lágrimas e soluços.
Sem nada dizer ela foi buscar o bonito
relógio de bolso de papai e colocou-o em minhas mãos, dizendo:
- Que é isso que você está vendo?
- Um relógio de ouro com mostrador e
ponteiros.
Em seguida mamãe abriu a parte traseira
do relógio e repetiu a pergunta:
- O que você está vendo?
- Ora mamãe, aí dentro parece haver
centenas de rodinhas e parafusos.
Mamãe me surpreendia, pois aquilo nada
tinha a ver com o motivo do meu aborrecimento.
- Este relógio tão necessário ao seu
pai e tão bonito seria absolutamente inútil se nele faltasse qualquer parte,
mesmo a mais insignificante das rodinhas ou o menor dos parafusos.
Nós nos entrefitamos e no seu olhar calmo
e amoroso, eu compreendi, sem que ela precisasse dizer mais nada.
Essa pequena lição tem me ajudado muito
a ser mais feliz na vida, aprendi com a máquina daquele
relógio quão essenciais são mesmo os deveres mais ingratos e difíceis, que nos
cabem a todos.
Não importa que sejamos o mais ínfimo
parafuso ou a mais ignorada rodinha, desde que o trabalho, em conjunto, seja
para o bem de todos.
E percebi também que se o esforço tiver
êxito o que menos importa são os aplausos exteriores.
O que vale mesmo é a paz de espírito do
dever cumprido.
Colaboração: Renato Antunes Oliveira
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